Moss – Análise

Os jogos VR são extremamente peculiares e distintos de todos os outros, o que pode, por vezes, levar a dificuldades na sua classificação e análise – o intuito principal é, sem sombra para dúvidas, a criação de experiências imersivas que te colocam, quase literalmente, no mundo do jogo. Ao tirar partido de uma forma directa dos nossos sentidos, a experiência torna-se mais gratificante e as emoções – sejam elas tristeza, alegria, solidão, medo, adrenalina – multiplicam-se de forma exponencial.

Existe, no entanto, uma gigantesca contrapartida que tem vindo a assombrar a realidade virtual de uma forma geral e com a qual as produtoras têm de lidar já que a mesma pode denegrir seriamente a experiência: o que era suposto ser transcendente e assoberbante, torna-se rapidamente numa dor de cabeça literal ou má-disposição que culmina em uma de duas formas: ou terás que jogar o jogo com pausas demasiado frequentes que te fazem perder o fio à meada e experienciar a história de forma intermitente, ou terás, pura e simplesmente, de parar. Esta é uma das maiores desvantagens do VR e razão pela qual eu (e, imagino eu, muitas outros jogadores mundo fora), possuo um ligeiro receio em relação a este tipo de jogos, não havendo propriamente um jogo de realidade virtual que tenha aproveitado esta tecnologia ao seu máximo.

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Moss veio abalar por completo as fundações e concepções que possuía sobre o VR. É pura magia.

Todavia, Moss veio abalar por completo as fundações e concepções que possuía sobre o VR. É pura magia. Um passo gigante na direcção certa. Uma experiência gaming como nunca antes vi, deixando-me boquiaberto em espaços regulares de cinco em cinco minutos. E não, não estou a utilizar hipérboles ou a exagerar: se há algum jogo que faz um bom uso do VR e que te insere REALMENTE nele, escusas de procurar mais. Completei o jogo em cerca de 6 horas e não pousei os óculos uma única vez – muito sinceramente, não vi razão para tal: para além de me ter sentido extremamente confortável durante todo o tempo em que joguei, os gráficos eram de tal maneira belos que não via propriamente grandes vantagens em regressar ao mundo real. É, aliás, extremamente difícil arranjar adjectivos que me permitam classificar esta experiência, já que se trata de um daqueles casos em que teriam de experimentar vós mesmos para perceber aquilo que estou a afirmar – são mundos ricos, vivos, vibrantes… E, com a ajuda do VR, isto é intensificado ao extremo, funcionando de forma ligeiramente diferente daquilo a que poderás estar acostumado.

Em Moss, tens um papel duplo, jogando simultaneamente como duas personagens: Quill, uma ratinha que compensa o seu diminuto tamanho com poder, força, garra e valentia mas também o Leitor, uma força omnipotente que a vai ajudando na sua jornada. Os controlos são bastante simples para algo que, em teoria, pode soar bastante complexo: enquanto que usas o joystick para controlar Quill e primes Quadrado para atacares, terás de usar os sensores de movimento do comando juntamente com os botões dos gatilhos para controlares a entidade “divina”, dando-te a possibilidade de interagires e manipulares certos objectos ou inimigos. E depois há a câmara, o truque na manga que destaca este jogo face a todos os outros e que reduz o enjoo causado por esta tecnologia quase na sua totalidade. Por norma, neste tipo de títulos, estás habituado a ser acompanhado pela câmara ao longo dos ambientes do jogo, usando apenas a cabeça, os óculos ou o joystick para olhares para determinado local. Moss funciona de forma diferente já que não existe a possibilidade de controlares a câmara: estás completamente estático, sempre no mesmo local, sendo que o mundo é apresentado à tua frente, cobrindo um ângulo de 180 graus. Tens a possibilidade de olhar para trás, claro – no entanto, por norma, irás apenas deparar-te com um fundo negro. Toda a acção passa-se à tua frente e a Polyarc aproveitou esta configuração ao máximo para criar um título tão, tão imersivo.

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Quill e tu mesmo.

Ver Quill a aparecer bem à esquerda da “arena” e, gradualmente, ir-se deslocando até ti, por vezes acenando ou pedindo um high-five pelo caminho, é extremamente gratificante: é como se estivesses a espreitar por uma janelinha para os diferentes ambientes, com toda a acção a desenrolar-se à tua volta mas também a interagir contigo, numa espécie de presépio ou diorama vivo. A quarta barreira foi quebrada das mais diversas formas neste título. Foi realmente uma jogada de mestre por parte da produtora, conferindo sempre um novo elemento ao jogo que te mantém constantemente interessado, motivado e desejoso por descobrir o que vem a seguir e que ideias loucas ou ambientes magníficos estarão à tua espera.

O combate (…) começa de forma simples, evoluindo gradualmente e, em partes posteriores do jogo, tornando-se adoravelmente caótico.

O jogo funciona como uma espécie de híbrido, combinando elementos de plataforma e puzzle, e misturando algumas secções de combate de quando em vez que funcionam, de certa forma, como boss battles. O jogo não é propriamente difícil – os puzzles são relativamente simples e rapidamente irás solucionar os mesmos, nunca chegando a dar aso a momentos de frustração; as secções de plataforma são extremamente interessantes e suponho que não te causarão também grandes entraves; o combate, todavia, começa de forma simples, evoluindo gradualmente e, em partes posteriores do jogo, tornando-se adoravelmente caótico – novos e maiores quantidades de inimigos irão surgir em determinadas partes do jogo, resultando não só em mortes mas também em alguns momentos de pânico ligeiro. Nunca é injusto, todavia, e tirando uns loadings estranhamente longos entre mortes que podem deteriorar um pouco experiência, este é um mundo difícil de esquecer.

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É extremamente notório que cada aspecto deste jogo foi construído tendo em mente o ângulo e posição em que o jogador se encontra, juntamente com a sua perspectiva dos eventos. O VR deixa de ser apenas cosmético e torna-se também essencial para o gameplay do jogo, obrigando-te a desviares ligeiramente a cabeça para os lados ou para a frente de maneira a conseguires encontrar Quill, saberes para onde tens que ir, qual o caminho a seguir ou os objectos com os quais tens/podes interagir. Secções de plataformas ou arenas de combate foram igualmente pensadas com esta mecânica: ver Quill a saltitar de uma plataforma para outra, mesmo à tua frente, é simplesmente delicioso.

Fiquei surpreendido com a quantidade de detalhes narrativos inseridos em Moss, com um clímax verdadeiramente digno da palavra.

Todo o jogo foi desenhado como uma espécie de fábula, algo que é igualmente perceptível na história do mesmo. A narrativa de Moss é simples e segue os elementos clássicos que estamos habituados a ver em contos de fadas; ainda assim, apesar de poder parecer um puro conto infantil, fiquei surpreendido com a profundidade e maturidade do mesmo, revelando um mundo deveras assustador e, em determinados momentos, cruel. Quill, a ratinha, possui uma personalidade forte mas foi extremamente satisfatório perceber que os produtores do jogo não tiveram receio em mostrar também o seu lado mais vulnerável, resultando em momentos altamente ternurentos em certas fases da narrativa. Tendo em conta a duração do jogo, fiquei surpreendido com a quantidade de detalhes narrativos inseridos em Moss, com um clímax verdadeiramente digno da palavra. Sem querer revelar grandes detalhes sobre esta secção específica, o último monstro que defrontas (que consiste numa criatura que está por trás de uma das fobias mais populares da humanidade) irá perseguir-te ao longo da arena, dando-te um espaço muito reduzido de tempo para conseguires escapar às suas presas e obrigando-te a prestar constante atenção ao ambiente, num segmento extraordinariamente tenso.

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O jogo pode ser curto mas, vistas bem as coisas, nem fica muita aquém de outros títulos VR no que diz respeito à duração, enquadrando-se dentro dos mesmos valores. E, muito sinceramente, cada segundo de Moss é de tal maneira recheado que considero o seu custo de 29,99 euros na Playstation Store inteiramente justo – trata-se de uma experiência inesquecível que não deixará ninguém indiferente, especialmente os cépticos do VR. O jogo esborda personalidade e elegância havendo, inclusive, um ou outro momento que pode sobressaltar os que possuem um coração mais fraco: até mesmo o fascinante áudio é merecedor de uma menção honrosa, com temas imponentes e ritmados em partes mais frenéticas do jogo ou mais subtis para enfatizar determinada situação dramática. O eco dos passos, o som de gotas a pingar à distância, a narração das personagens à medida que vai progredindo, é tudo de tal maneira envolvente que acabarás por te esquecer que estás num mundo fictício habitado por ratos.

Moss possui ainda alguns coleccionáveis que podes ir amealhando ao longo da tua jornada, que inclui pergaminhos posicionados em locais mais traiçoeiros das arenas ou cristais escondidos em determinadas peças de madeira: barris, mesas, carroças, caixotes, cadeiras, etc. Apesar de conferirem algum replay extra ao jogo, são itens irrelevantes que nada novo trazem ao jogo para além da mera diversão em descobrir uma maneira de chegar até eles e de destruir os caixotes de forma desenfreada. Assim que chegues aos créditos finais, poucas razões terás para regressar a este mundo, levando apenas contigo as memórias e impressões daquilo que assististe e, mais importante, sentiste durante esta pequena mas memorável aventura.

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Moss tornou-se num novo marco para os futuros jogos da Playstation VR.

Acho que, pelas palavras que escrevi, é bastante perceptível que adorei Moss e fui completamente apanhado desprevenido pela genialidade e beleza do mesmo. Sinto, aliás, uma dificuldade enorme em seleccionar os termos certos para transcrever por palavras esta experiência extra-sensorial, alienígena e fabulosamente peculiar de maneira a que lhe faça a justiça que merece. Se tens dúvidas sobre as capacidades do VR, será uma boa ideia dares uma vista de olhos a Moss pois, garanto-te, a fasquia foi amplamente elevada, tornando-se num novo marco para os futuros jogos da plataforma. A Sony tem uma IP extremamente original nas suas mãos, com um potencial gigantesco e, para meu contentamento, o final do jogo sugere de forma quase explícita que uma sequela poderá vir no futuro, continuando a história do primeiro. Se este é o futuro da Playstation VR, então mal consigo esperar.

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