God of War mudou e é isso que me entusiasma

Quando God of War 3 chegou às lojas, em 2010 para a PlayStation 3, fiquei impressionado com o trabalho da Sony Santa Monica. O estúdio da Sony elevou a novos padrões tudo o que foi elogiado nos primeiros dois jogos e apresentou um jogo intenso, brutal e de contornos verdadeiramente épicos. Foi provavelmente o expoente máximo que tivemos na série God of War até agora. Um jogo que apostou em panorâmicas deslumbrantes, confrontos violentos e que acima de tudo envergou com orgulho o ADN de Kratos: violento, tempestuoso e visceral. God of War 3 foi um fenomenal atestado das capacidades da série, algo que disse na análise, um jogo que seguia dentro do molde dos originais, mas que utilizou a tecnologia para glorificar o violento protagonista e o seu confronto com os deuses do Olimpo. No entanto, tivemos depois God of War: Ascension, um jogo que em nada arriscou e apenas se propôs a apresentar mais do mesmo, colocando em risco a fórmula, colocando-a à beira da fadiga.

Parece fácil resumir a postura da série God of War na anterior geração: aproveitar o salto tecnológico para apresentar títulos capazes de espantar em termos visuais, mas sem fugir muito às origens. Pessoalmente, olhei para Ascension como mais do mesmo, um título de pouco interesse que me fez sentir que a fórmula poderia ficar cansada, desgastada, algo que até então nem imaginaria ser possível. Mais fez até mais do que isso, fez-me pensar que se Kratos regressasse, teria de ser algo relevante, bem pensado, não necessariamente diferente, mas com impacto, com essência e acima de tudo com propósito. Os videojogos são ferramentas de entretenimento, mas também são uma forma de expressar sentimentos, de invocar sensações, uma delas é a capacidade de te entusiasmar. Algo que sentia ser extremamente vital para um possível novo God of War.

Os videojogos precisam envergar a capacidade para suscitar em ti interesse pelo seu material, mas acima de tudo fazerem as coisas com qualidade. um delicado equilíbrio na hora de transformar a criatividade em produtor consumível. O melhor que um produtor de entretenimento pode almejar é suscitar o teu interesse, gerar uma reacção da tua parte, seja boa ou seja má, que simplesmente te motive a interagir e a debater. Todos eles querem uma reacção boa, mas a grande maioria provavelmente dirá que não há nada pior do que a indiferença. Significa que não teve capacidade para mexer contigo. Foi precisamente por isso que fiquei entusiasmado quando o novo God of War foi apresentado na E3 2016, por ver algo diferente, arrojado e arriscado, por ver que a Sony Santa Monica não jogou pelo seguro e utilizou a tecnologia actual para trazer God of War para o presente.

“Se fosse para continuar com o mesmo estilo, mais valia estarem quietos”.

Tal como Josef Fares disse esta semana, a indústria precisa arriscar mais, não apenas porque sim, mas em nome da qualidade, em nome do desafio aos próprios criadores. Quando começaram a circular os rumores de que God of War iria regressar, pensei que se fosse para ter o mesmo jogo, o mesmo molde, mas com gráficos melhorados, mais valia ficarem quietos. No entanto, quando vi o novo God of War fiquei desde logo curioso, entusiasmado, rendido à capacidade de Cory Barlog liderar uma equipa capaz de arriscar. Mais do mesmo não teria interesse, já está visto. Até existe um Remaster de God of War 3 para quem quiser jogar outra vez o mesmo jogo. No entanto, existe um certo fascínio em torno do que a Sony Santa Monica está a fazer com o novo God of War, existe a sensação que estão a arriscar numa proposta arrojada não porque sim, não para serem diferentes, mas para cumprirem um propósito.

Josef Fares disse-o e bem, parece fácil olhar para a Naughty Dog e sentir que estava garantido o sucesso com The Last of Us, mas foi um tremendo risco, um incrível desafio. Acima de tudo é um atestado de tudo aquilo que me deixa entusiasmado com o potencia do novo God of War, mudar com propósito, mudar com a qualidade em primeiro plano, mudar para suscitar interesse e gerar reacções. A nova perspectiva poderá ser apenas uma forma para o diferenciar desde logo dos anteriores, poderá ser apenas uma forma de o contextualizar na actualidade, mas acima de tudo é um atestado de intenção, uma forma de tornar as coisas mais pessoais. Pensar que o Kratos cretino sem qualquer profundidade estava de volta seria desastroso demais nestes dias. God of War vibrava com as panorâmicas, com a forma como moldou os mitos Gregos e pela sua acção intensa. Aquela diversão em que desligas o cérebro e entras em momentos épicos. Um pouco de personalidade e profundidade não fazia mal nenhum e Kratos parece ter ganho muito de ambos.

Para muitos poderá ser confuso e tentar perceber o porquê de ser precisa mudança. Poderás pensar que se em 2010 Kratos era uma máquina de destruição que despoletava combos brutais atrás de combos, aclamada e recebida com entusiasmo, o mesmo devia acontecer em 2018, que seria suficiente. Não é bem assim, as coisas mudaram, evoluíram e pessoalmente acredito que expandir ou aprofundar a forma como te relacionas com uma personagem ou mundo é importante. Especialmente porque Kratos continua um excelente guerreiro, continua a despoletar combos fantásticos e a entrar em combates brutais. Se há mérito que a Sony Santa Monica parece ter é o de conseguir um sistema de combates que apesar de todas as diferenças no estilo, está pronto para envergar o ADN da série. O tom mudou, mas mantém-se familiar e tudo o que foi feito parece ter conferido um charme e personalidade que muitos nem sequer pensaram que faltava a God of War.

A Sony Santa Monica fala em “familiarmente diferente” e do que vi, foi precisamente essa a sensação, as palavras chave a reter. É Kratos, é God of War, mas está diferente. Entre essa diferença está uma grande ambição em pegar num nome sobejamente conhecido e o transformar em algo actual, válido e capaz de entusiasmar. Basta olhar para a ambição da Sony Santa Monica em desenvolver um jogo sem cortes na câmara, como uma enorme cena filmada sem interrupções. Se vai resultar ainda não sei, mas que demonstra a vontade de levar os contornos cinematográficos mais além, demonstra.

“A nova perspectiva parece pronta para aprofundar a experiência visual e como te relacionas com o mundo”.

Do que já viste de God of War, já viste praticamente tudo a que a série te habituou: panorâmicas de arrebatar, combates viscerais, Kratos aos berros, bosses gigantes e um mundo mergulhado em mitologia. Isso é o mais fascinante, verificar que é God of War, mesmo que esteja diferente. É precisamente aqui que reside todo o meu entusiasmo e me deixa altamente intrigado pela estreia da série na PlayStation 4, por manter a identidade da série mas almejar um tom diferente, por arriscar coisas novas. Num mundo em que és preso por ter cão e preso por não ter, é difícil gerir as expectativas e planear como equilibrar a tua ambição artística com a perspectiva da audiência, mas a Sony Santa Monica merece desde já o meu respeito por arriscar algo diferente e sair da zona de conforto. Se o fez com qualidade, se consegue suscitar em ti as emoções que pretende, isso é outra história, mas desde já conseguiram uma coisa que já não é esse dado adquirido que muitos podem pensar: suscitar interesse.

Se estás entusiasmado com o novo God of War, talvez tenhas interesse em ler a antevisão do Jorge Loureiro, que passou quase 3 horas com o jogo e ficou ainda mais entusiasmado. É uma boa leitura para se estás ansioso por ver esta espécie de renascimento de Kratos, que mantém tanto de familiar quanto a aposta em novidades. A indústria vibra quando estúdios talentosos tentam novas experiências e acima de tudo, a capacidade para romper moldes, quebrar géneros, elevar barreiras e gerar interesse por parte dos fãs é extremamente valioso. A Sony Santa Monica não jogou pelo seguro e arriscou, se recompensou só saberemos a partir do dia 20 de Abril, mas desde já tem o meu respeito por tentar.

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