Maniac – Análise

Logo no primeiro episódio, acompanhamos um dia da vida de Owen (Jonah Hill Feldstein), mais concretamente, o dia em que foi despedido do emprego. A partir daqui ficamos a saber que o nosso protagonista é um homem que enfrenta uma existência difícil. É esquizofrénico e recusa-se a tomar a medicação que o ajudaria a controlar a paranóia. Como tal, vive num estado de confusão permanente, duvidando de tudo o que os seus olhos veem. Ao sermos direcionados ao longo do episódio por Owen, também nós acabamos por sentir estas dúvidas. Se algumas das situações são claramente ilusões, outras também nos deixam de pé atrás. Owen diz: “I don’t know what’s real, and what’s not.” Isso é real e assustador.

Owen é um homem humilde, de fácil empatia, com desejos de viver uma existência pacífica. O seu apartamento é ridiculamente pequeno, adornado por luzes néon de publicidade a piscarem na janela. Este ambiente pobre e impessoal servirá, porventura, para contrastar com a mansão em que fora criado.

A família de Owen é muito rica e poderosa. A ostentação é evidente, a começar pela casa, pela sumptuosa decoração e pelos quadros familiares pendurados nas paredes. Rapidamente nos é oferecida a informação de que o protagonista é renegado pelos pais e pelos irmãos, encontrando um ombro amigo apenas na futura cunhada. Diminuído pela sua condição de doente e ridicularizado pelo prepotente e vaidoso irmão, Jed (Billy Magnussen), é por demais evidente o desconforto que Owen sente por ter de conviver com aquelas pessoas. A personagem sente que tem um papel inferior na sociedade, que ninguém o leva a sério, e é talvez por querer-se distanciar das ofertas envenenadas do pai (Gabriel Byrne) que decide entrar num estudo de uma empresa farmacêutica, com o objetivo de angariar algum dinheiro para a sua própria sobrevivência.

Encarnando a misteriosa e instável Annie, Emma consegue tirar-nos do sério com os seus impulsos…

Jonah Hill Feldstein é, sem dúvida, o ponto alto desta minissérie. Habituamo-nos a ver este ator a interpretar papéis mais leves, de cariz humorístico. Tal não é a surpresa ao constatar que o seu talento vai mais além. É uma interpretação que o despe de todas as representações que o precedem, conseguindo vestir a pele de um homem que soa “doloroso, mas não tanto”, apenas “aquele nível de tristeza baixo que tem muita preocupação e carinho.”

Mas também Emma Stone faz uma prestação grandiosa aqui. Encarnando a misteriosa e instável Annie, Emma consegue tirar-nos do sério com os seus impulsos. Viciada no medicamento “A”, Annie dá tudo para entrar no estudo da farmacêutica que o fabrica. O segundo episódio é dedicado exclusivamente a esta personagem, que irá contracenar em pé de igualdade com Owen, no que diz respeito a protagonismo, ao longo dos restantes oito episódios. Duas almas perdidas, consumidas pela dor, que irão por as suas mentes fantásticas à mercê de um computador com inteligência artificial, construído para salvar o mundo das patologias e transtornos psicológicos.

Emma Stone, Jonah Hill in Maniac Emma Stone, Jonah Hill em Maniac

A série parece ter sido produzida nos anos setenta/oitenta. Assim como acontecia nos clássicos “Laranja Mecânica”, “Blade runner”, entre outras histórias de ficção científica com teor futurístico, a tecnologia, que seria avançada para a época, é hoje vista por nós como sendo obsoleta. O que chama de imediato à atenção em Maniac é o design do hardware: os computadores são carcaças gigantescas, botões por todo o lado, luzinhas irritantes, sons arcaicos que nos desabituamos a ouvir ao longo destes vinte/trinta anos. As imagens são nostálgicas, fazendo lembrar os jogos das primeiras consolas. Os bonequinhos que aparecem nos ecrãs negros lembram o “Prince of Persia”, o “Pac-man” e o eterno “Alex Kidd”. Quando vemos os cientistas a trabalhar, percebemos que utilizam um programa ao estilo do MS-DOS.

Dr. James Mantleray (Justin Theroux), parece saído de uma série de comédia…

Sinceramente, não percebi o porquê desta escolha, das referências às décadas de setenta e oitenta na série. Tendo em conta a problemática que aborda, parece-me forçada. Como se pretendessem única e exclusivamente captar a atenção dos fãs do género, como por exemplo de “Stranger Things”. O grande objetivo em Maniac é salvar a humanidade das doenças de cariz psicológico e psiquiátrico. O mundo está consumido pela depressão, pela loucura e pelos diagnósticos errados ou imprecisos, que em nada resolvem o problema das pessoas. Surgem oportunistas por todo o lado, com receitas de felicidade milagrosas, alcançando a fama mundial a venderem palavras de ânimo. Sally Field dá o rosto a Dra Greta Mantleray, uma mulher rica e poderosa, com milhões de exemplares de livros de auto-ajuda vendidos.

Quanto ao enredo, foi aqui que a minissérie realmente pecou. Aquando o início do estudo, este é explicado e soa deveras interessante e misterioso. Com a curiosidade aguçada, somos transportados para um rol de acontecimentos aborrecidos, sem qualquer fio condutor. A mente é uma criança traquina que nos brinda com um ou outro momento bem conseguido, em que parecíamos estar a ver “Delírio em Las Vegas”. Isto acontecia sobretudo na mente de Owen. Aqui o telespetador era obrigado a pensar e a tentar tirar da cena o significado subliminar. Mas, na larga maioria, parecíamos estar perante um emaranhado de cenas desconexas, amadoras, com pouco ou nenhum conteúdo. Destacando-se aqui, no que diz respeito ao ridículo, o Dr. James Mantleray (Justin Theroux), que padecendo de parafilia, fruto, talvez, dos mummy issues, tem comportamentos exagerados, parecendo saído de uma série de comédia com gestos ao estilo Ace Ventura.

Sonoya Mizuno é a Dra. Azumi Fujita, uma personagem desinteressante, com um hábito tabágico acentuado. O computador IA com emoções, Greta, prometia uma armadilha, um desenlace na história, mas acabou por ficar perdido na confusão do desfecho. Um “vilão” demasiado fácil de combater. E finalmente os restantes “sujeitos” de estudo, que não têm grande relevância, sendo praticamente figurantes numa história que podia ter sido explorada de tantas formas, mais complexas e mais interessantes.

Veredito

Acreditava estar no caminho de um climax que mudaria toda a perspetiva da série até então, mas isso infelizmente não aconteceu. Talvez Cary Joji Fukunaga tenha exagerado nos experimentalismos desta feita, mas a verdade é que achei o final decepcionante e cliché, fez-me sentir “de mãos a abanar”. Resta-nos aplaudir o dispendioso e maravilhoso elenco que, mesmo com um argumento fraco, conseguiu destacar talento.

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