1917 – Análise

4 de Abril, 1917, Primeira Guerra Mundial. Dois jovens soldados britânicos, o Cabo Will Scofield ( George Mackay) e o Cabo Tom Blake (Dean-Charles Chapman), recebem novas ordens do General Erinmore (Colin Firth). A tarefa dos dois soldados passa por entregar uma mensagem às tropas posicionadas na linha da frente de combate, que estão prontas a lançar um ataque às forças alemãs, que haviam batido em retirada. No entanto, o comando britânico acredita que se trata de uma armadilha por parte do exército alemão, uma espécie de “Cavalo de Tróia”, pelo que a missão dos dois soldados é de vital importância e o tempo urge para fazer chegar a mensagem e, assim, suspender a investida dos soldados (onde se encontra o irmão de Blake) e com isso salvar um número incontável de vidas que caminham para a morte certa.

A Primeira Guerra Mundial nunca teve no cinema uma abordagem tão vasta, seja em quantidade, seja em qualidade, como a Segunda Guerra Mundial. Será preciso recuar a 1957 com “Horizontes de Glória” de Stanley Kubrick ou a 1930 com “A Oeste Nada de Novo” de Lewis Milestone, para encontrar as melhores obras sobre a Primeira Grande Guerra.

O realizador Sam Mendes apresenta aqui uma abordagem muito própria, única e incrivelmente arrojada. Mendes, de ascendência portuguesa, apresenta-nos um filme de guerra com os requisitos necessários para criar verdadeiro impacto. Dois soldados numa missão longa e quase suicida, passando por condições surreais e adversas a qualquer ser humano, heróis instantâneos que carregam nos ombros a mensagem que pode salvar a vida de mais de mil soldados. Trincheiras, armadilhas, bombas escondidas, arame farpado, lama, inimigos alemães a surgirem a qualquer instante. Tudo isto ameaças constantes, mas quase invisíveis.

O grande triunfo é a forma como está filmado. Sam Mendes optou por filmar como se tudo fosse feito em apenas um take, um plano-sequência do principio ao fim. Uma abordagem que arrasta o espectador para a realidade e dureza da guerra, sem descanso e sem pausas. A missão é a dois, mas parece ser a três, visto que a câmara de Mendes acompanha os dois soldados e parece ter vida própria, como se fossemos nós, o espectador, a fazer parte da missão.

Em 2014, Alejandro Gonzaléz Iñárritu, fez “Birdman” em circunstâncias semelhantes. A ilusão de um filme filmado todo de uma só vez foi incrivelmente bem recriada, mas naturalmente os cortes de cena existiram, como existem em “1917”. Ainda assim, em “Birdman” os cortes e truques para mudança de cena eram mais facilmente identificáveis (CGI bem mais evidente) do que neste épico de guerra. Sam Mendes aperfeiçoou a técnica, a sensação de continuidade é absolutamente brutal e tecnicamente soberba, recorrendo a truques com uso de fotografia, a colocação precisa da câmara e uma impressionante fluidez da mesma. A partir de certa altura já estamos completamente compenetrados no filme e na luta dos dois personagens principais, que até esquecemos esta riqueza técnica. Na verdade o filme possuí apenas um corte visível e propositado, como se de uma pausa para descanso se tratasse.

Todo o filme passa a intenção de se desenrolar em tempo real na perspetiva das personagens. Uma jornada épica, brutal e crua, com todos os horrores da guerra bem visíveis. Todos os cenários são meticulosos e variados. A viagem é geograficamente curta, mas os dois heróis passam por vários locais visualmente únicos. Sejam as enormes trincheiras abandonadas, os campos lamacentos, os prados verdejantes ou as vilas francesas destruídas. Todos têm um fator em comum: Morte vista e sentida por todos os lados. A direção artísticas meticulosa, juntamente com a banda sonora notável de Thomas Newman, fazem “1917” parecer um filme de terror, onde a solidão e o medo se fazem impor como algo fisicamente presente. Estamos perante um filme que pede claramente para ser visto numa sala de cinema, pela envolvência, espetáculo visual e pelo fantástico design de som.

Os dois atores principais são relativamente desconhecidos, uma boa decisão de casting para ampliar ainda mais a sensação que estamos perante apenas dois homens, dois soldados vulneráveis a passar um autêntico inferno na Terra, atravessando constantes provas de superação. George Mackay (que se destacou em “Capitão Fantástico”) provou ser um ator talentoso e toda a carga dramática está com ele. Dean-Charles Chapman (Tommen Baratheon em “Guerra dos Tronos) traz um charme afável e inocência de um jovem recruta, algo sempre muito presente nestes cenários de guerra.

1917 é tecnicamente perfeito e um dos melhores filmes sobre a primeira Guerra Mundial. Sam Mendes já tinha, com sucesso, abordado a guerra do Golfo em 2005 com “Máquina Zero” e aqui eleva a fasquia e faz um filme pessoal que é também uma sentida homenagem ao seu avô Alfred H. James, que combateu nesta guerra. Um filme que fica algo curto no que a história diz respeito, mas a forte envolvência dramática e a técnica de filmagem fazem rapidamente esquecer esse pormenor quase irrelevante para esta abordagem de cinema. Na corrida aos Oscars, Mendes deverá mesmo arrecadar o Oscar de melhor realizador (poderá ser o segundo depois de “Beleza Americana”), mesmo com a concorrência dos gigantes Martin Scorsese e Quentin Tarantino. E certamente não será o único para 1917.

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