AO Tennis 2 – Análise

A história deu-nos vários simuladores de Ténis, um desporto que encontrou sempre uma boa representação nos videojogos, embora pessoalmente nunca tenha conseguido resolver totalmente a desvantagem de jogar de cima para baixo. Parte do problema é psicológico, como me sinto num jogo de futebol enquanto “player 2”, mas na verdade existem diferenças na capacidade de ter noção da largura do campo numa ou outra posição, afectando a colocação da bola.

AO Tennis 2, título desenvolvido pelo Big Ant Studios com o Open da Austrália como palco principal, resolve o problema com uma mudança arriscada à interface, que funciona de forma inesperadamente positiva, mas que forçou os produtores a alguns compromissos capazes de nos retirar da experiência, pelo menos até desenvolvermos um certo nível de habilidade com o simulador.

Nos jogos de ténis temos sempre um indicador invisível que determina a direção de cada pancada, mais arriscada quanto maior for o tempo em que pressionamos o analógico na direção pretendida, e um indicador da força da pancada, também mais poderosa dependendo do tempo em que o botão é pressionado. Aquilo que separa a qualidade dos jogadores é a sua capacidade de reação à jogada do adversário, velocidade de movimentação até ao local indicado, decisão do tipo de pancada, timing para armar o braço e depois sim, a direção e colocação da bola.

AO Tennis 2 opta por dar aos jogadores uma clara indicação visual … do local onde a bola vai cair…

AO Tennis 2 opta por dar aos jogadores uma clara indicação visual, não só da violência da pancada, que é tradicional acontecer, mas também do local onde a bola vai cair, com um ponto que podemos e devemos movimentar com o analógico direito, antes da bola sair da raquete. O feedback de cada troca de bola é por isso total, sendo que temos de controlar em primeiro a posição até onde deslocamos o ponto, e a quantidade de força da barra indicada ao lado da raquete, que deve parar no ponto o “mais verde possível”.

Esta hierarquia visual forçada retira-nos obviamente algum espaço para controlar o movimento do jogador, e aqui está o compromisso de que falava anteriormente, sendo que para mitigar o problema, o estúdio adicionou um sistema de movimento assistido, que é afectado pela stamina do atleta, algo especialmente importante no modo carreira, e já lá vamos, mas que podemos desligar se assim desejarmos.

A preocupação com o movimento do jogador cai então para a terceira posição, e com ela a imersão, ou seja, a sensação de estarmos efetivamente dentro de um campo de ténis. Claro que depois de alguma dedicação e com o crescimento da nossa habilidade, passamos a ser capazes de colocar o ponto no local exacto, combinando-o com o nível certo de pressão, “de olhos fechados”, ganhando maior capacidade e tempo para mover o atleta para a posição desejada e conseguindo melhores resultados na pancada.

…o meu jogo transformou-se num festim de winners ou erros não forçados…

Há outra consequência deste sistema, que foi o facto de me ter transformado numa máquina sedenta de “winners”. Com a ilusão de que sou sempre capaz de colocar a bola fora do alcance do adversário, o meu jogo transformou-se num festim de winners ou erros não forçados, com poucas trocas de bola ou pontos de rede. Estes últimos têm sido onde tenho evoluído mais ultimamente, basicamente depois de parar de subir desenfreadamente, depois de apontar uma bola longa ao “T”, onde as aranhas dormem.

Além do gameplay, onde AO Tennis 2 assume mais riscos, existe outro aspeto em que os rapazes dos Big Ant Studios demonstraram inteligência, contornando o parco conjunto de licenciamentos que o jogo possui de raiz. Estão presentes alguns atletas do circuito ATP e WTA, com destaque para Rafael Nadal ou Ash Barty, mas faltam outros nomes de peso, como Roger Federer, Novak Djokovic ou as irmãs Williams. A mesma coisa para os recintos, obviamente o Open da Austrália está totalmente licenciado, não fosse o jogo baptizado a partir do Grand Slam, mas é impossível não notar as ausências, especialmente dos outros três grandes.

Para contornar essa limitação, AO Tennis 2 coloca à disposição dos jogadores as ferramentas necessárias para que sejam eles a adicionar o conteúdo em falta ao jogo. Houve um grande investimento no sistema de criação de personagem, que é comum aos simuladores de ténis. Muitos preferem investir no modo carreira com o “José Pedro” no lugar de um nome conhecido do circuito, AO Tennis 2 segue essa fórmula e ainda possibilita a partilha entre jogadores, o que significa que facilmente temos à disposição um qualquer Djokovic ou Federer ‘fanmade’, se assim desejarmos. A mesma coisa acontece com os campos, temos à disposição um engraçado criador de recintos de ténis, que também podem ser descarregados de outros jogadores, com mais tempo, paixão ou paciência do que nós. E claro, as opções mais populares são Roland Garros, US Open e Wimbledon.

Os modos de jogo incluem o Open da Austrália claro, um sistema de tutoriais que merecia mais opções, mas o principal é mesmo a carreira, que bebe imenso do sistema de criação de personagem. Há como sempre uma progressão, neste caso associada ao dinheiro que arrecadamos em cada competição e patrocínios que daí resultam, além de um conjunto de perks extraordinariamente acessíveis, para assistir o nosso campeão em coisas como as viagens entre torneios, acomodações ou treinadores especiais para ajudar com a performance física. Pelo meio, e no espírito dos modos carreira dos jogos de desporto modernos, temos uma série de cinemáticas, que ajudam a alimentar a ideia de progressão, mas que são demasiado pobres e mal interpretadas para importar realmente.

AO Tennis 2 é facilmente a mais interessante proposta do mercado no que aos jogos de ténis diz respeito, se conseguirem vencer o seu maior defeito, que são os inacreditáveis tempos de loading antes dos jogos. É muito limitado a nível de licenciamentos, teremos de viver com isso e jogar a maioria das finais contra Rafael Nadal, mas inclui um profundo sistema de criação de personagem e recintos que ajuda a mitigar as faltas. Com mais liberdade por colocar o foco no single-player, experimenta com um gameplay diferenciador, que assume vários riscos mas que se revela extremamente divertido. No final de contas, isso é o mais importante.

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