Media Molecule ajuda-nos a entender Dreams

A PlayStation Portugal apresentou Dreams, o mais recente exclusivo PlayStation 4 da Media Molecule, ontem no 1UP Gaming Lounge, sensivelmente à mesma hora em que conversávamos com David Smith e Peter Field, Diretor Tecnológico e Game Designer, respetivamente, sobre o jogo.

Quisemos que nos ajudassem a defini-lo, chegamos inclusive a pedir-lhes que nos explicassem como analisa-lo. Dreams é um caso singular no meio e por isso merece tempo até encontrar o seu lugar e espaço. Mais do que um jogo, é um artefacto que exclama pela apropriação da comunidade, que pode usá-lo como uma plataforma, videojogo ou como uma ferramenta para a expressão artística, técnica, visual, estética, musical, etc.

Nasceu de um esforço colaborativo, motivo para ter estado tanto tempo em acesso antecipado, e para a Media Molecule tê-lo mostrado tão cedo. Recordo-me de vê-lo pela primeira vez na Paris Games Week 2015 e de na altura ter pensado que a produtora de Little Big Planet tinha “perdido a cabeça”, tamanha a ambição do conceito que nos estava a ser apresentado. “Isto é um jogo onde é possível criar qualquer tipo de experiência,” diziam, perante um grupo de jornalistas desconfiados. Muito mudou desde essa altura claro, mas foi exatamente a partir daí que escolhemos começar a conversa.


IGN: A primeira vez que vi Dreams foi em 2015. O que aconteceu para demorar tanto tempo?

David: Sim (risos), nós mostrámos coisas há muito tempo atrás, coisas que pareciam terminadas na superfície. O problema com Dreams é que é gigantesco, e existem várias coisas que fomos precisando de redesenhar e refazer com base na forma como estavam a ser usadas.

Mesmo o processo de fazer o Art’s Dream (campanha de lançamento), os testes na media molecule e o período de acesso antecipado ensinaram-nos muito sobre a ergonomia do jogo e o que as pessoas achavam útil. Tem sido uma quantidade enorme de trabalho ao longo das diferentes áreas, animação, modelação, música, som, todo o processo de filtragem e procura pelas funcionalidades da comunidade. E no início éramos uma equipa pequena.

Peter: Especialmente no primeiro ano ou dois. Mas por exemplo, quando o acesso antecipado arrancou, todas as ferramentas estavam prontas. Fizemos muitas alterações desde então, mas eram utilizáveis apesar dos problemas. Passamos muito tempo a criar as ferramentas de modo a que fossem acessíveis, para que a comunidade as pudesse usar. Olhando para as ferramentas individualmente, será uma proposta demasiado complicada, mas acho que conseguimos enquadrá-las de forma a que sejam compreensíveis para os jogadores.

Os outros jogos têm uma estrutura muito similar, quando os desenvolves sabes exatamente o que estás a fazer, sabes o que é esperado de ti. Dreams não tem nada disso, não tinha qualquer formato para seguir, fomos descobrindo o que fazer, a escala que devia ter, demorou muito tempo e exigiu imensa pesquisa da nossa parte.


IGN: Qual foi a primeira reação da equipa de marketing quando lhes apresentaram o conceito?

David: As pessoas perguntam frequentemente, “o que é o Dreams?” E nós damos-lhes uma resposta de um minuto ou mais. A verdade é que representa coisas diferentes para pessoas diferentes. Claro que isso é uma mensagem difícil, o marketing queria poder dizer ‘basicamente, é como o Uncharted’, ou ‘é um shoot em up’, queriam uma forma clara para enquadrá-lo, que lhes permitisse olhar para campanhas de marketing anteriores.

Tem sido um desafio para o marketing descobrir como comunicá-lo, da mesma forma que tem sido para nós desenvolve-lo. Uma das coisas que descobrimos é que como existem tantos grupos de pessoas diferentes que jogam Dreams, ele caberia em abordagens de marketing diferentes.

Peter: Sim, é possível comunicá-lo de formas diferentes e isso apelaria a pessoas diferentes como consequência. Felizmente não temos de ser nós a fazê-lo (risos).


IGN: Mas olhando para a versão final, como diria que se divide entre um motor de jogo criativo vs. um videojogo?

David: É complexo. Com o Little Big Planet era muito claro, por exemplo. Muitas pessoas jogaram-no, e tudo o que jogaram foram os níveis que nós criamos. Ele tem uma parte importante com os conteúdos da comunidade, que era secundária para muitas pessoas, havia quem nem sequer tivesse consciência da sua existência. Penso que na altura, a ideia de conteúdo gerado pelo utilizador (User Generated Content) era muito embrionária, ninguém sabia ao certo como pensar nisso, isso continuou um desafio no caso de Dreams, mas penso que a nossa audiência é mais conhecedora agora. Com Little Big Planet não podíamos sequer contar que as pessoas tivessem ligações à Internet.

Existem muitos paralelos entre o Dreams e o YouTube. Na altura em que começamos a desenvolver o Little Big Planet, o YouTube não existia, por isso existem este pontos de referência que não tínhamos na altura e isso mudou a nossa abordagem. Com Dreams tentamos dizer: É um local criativo onde tu vais para criar coisas, mas também para consumi-las. E o YouTube é mesmo uma boa analogia porque se trata de um local onde as pessoas vão pelos dois motivos, tens criadores que só pensam nisso, em criar, mas a maioria das pessoas vai lá para consumir conteúdos. Algumas coisas são de baixa qualidade mas tem muita coisa de elevada qualidade.

Peter: Gosto desta dúvida sobre ser uma ferramenta ou um jogo, tenho um amigo que faz tutoriais de Unity (motor de jogo), valorizo imenso a opinião dele e por isso dei-lhe um código do Dreams para ver o que ele achava. Ele descreveu-o como uma ferramenta e eu achei muito fixe, que ele o tivesse levado a sério como uma ferramenta de criação. Vindo dele é provavelmente o maior elogio que podia receber, porque tem a sensibilidade de produtor de videojogos. E não é como um motor tradicional, que não te “dá a mão” porque estás a ser pago para usá-lo. Neste caso, nós tentamos colocar todas as coisas que aprendemos ao fazer jogos e torná-las mais agradáveis e compreensíveis, no final, talvez algumas pessoas sejam apanhadas na febre de criação de algo como um videojogo.


Continua…

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