Doutor Estranho no Multiverso da Loucura – Análise

Estava aqui na hora de escrever a análise de filmes como Vingadores: Guerra do Infinito e Endgame, dois projetos extremamente suscetíveis a spoilers, por conterem neles reviravoltas transformadoras para todo o Universo Cinemático da Marvel. Doutor Estranho no Multiverso da Loucura carrega uma dificuldade superior, não tanto pelas reviravoltas, mas pela dependência em pequenas confirmações e fórmulas que merecem ser absorvidas e compreendidas pelas audiências durante o primeiro visionamento.

É similar a Endgame por ser uma conclusão de um arco maior, que como seria expectável numa obra dos Marvel Studios, se apoia em desenvolvimentos de filmes e séries anteriores. Essa é simultaneamente a sua maior força e fraqueza, evita uma boa dose de exposição, mas é obrigado a assumir demasiadas coisas. Assumir que compreendemos os conceitos, conhecemos o background das personagens, talvez até assuma que lemos três ou quatro sagas da banda-desenhada.

Sam Raimi não estava a brincar quando confessou a obsessão com os comics da Casa das Ideias a certa altura da vida, e aproveitou as liberdades que lhe foram concedidas para levar-nos numa viagem que vai fazendo sentido, mas que nos dá sempre demasiado material para mastigar. Dificilmente se vão sentir entediados, mas não estranhem se ficarem com vontade de carregar no pause para conseguir digerir o que acabou de acontecer.

O melhor Benedict Cumberbatch no Universo Cinemático da Marvel…

É desde logo o melhor Benedict Cumberbatch no UCM, não só como o herói, ou heróis, e já lá vamos, mas como o Dr. Stephen Strange também, que só agora, depois de lidar com diferentes episódios cataclísmicos, pôde dedicar um ou dois pensamentos à vida que deixou para trás quando visitou o Kamar-Taj, desesperado para recuperar a motricidade fina das suas mãos. Para isso teria de regressar à cena Christine Palmer (Rachel McAdams), o amor da vida de Estranho, porque nem o mais poderoso dos feiticeiros ou o mais bem-sucedido dos super-heróis, evita fantasiar com a vida que podia ter passado ao lado da cara-metade.

A história de Doutor Estranho no Multiverso da Loucura é assim simultaneamente sobre magia e amor, as expressões mais poderosas de ambos. Ao centro está America Chavez, interpretada pela segura Xochitl Gomez, que infelizmente não teve grande argumento para brilhar, mas é em seu redor que brilham todas as outras personagens, não apenas Estranho mas também Wanda Maximoff, que desde WandaVision ganhou nos nossos corações a expectativa de carregar o UCM às costas.

A história de Doutor Estranho no Multiverso da Loucura é sobre magia e amor…

Confesso não ter ficado convencido com a necessidade de ligar Chavez de forma tão efetiva a toda a problemática do filme. É verdade que havia a necessidade de conjugar diferentes figuras e problemáticas num tema de sentido único, mas especialmente depois do que vivemos no último Homem-Aranha, julgo que Sam Raimi teria outras avenidas para explorar, se assim quisesse.

Não vamos obviamente falar das surpresas, elas estão à vossa espera na sala de cinema mais próxima, com a segurança de virem de outros universos, é certo, mas a certeza de serem confirmações de futuro para o Universo Cinemático da Marvel. Kevin Feige tinha isto tudo preparado, não só a abertura de novas avenidas, mas o desenvolvimento de personagens já estabelecidas, sendo Wong um bom exemplo. Benedict Wong tem subido a “punho”, e de forma merecida, a escadaria de importância do universo Marvel.

Sobre a ação, foi alcançada uma interessante mescla entre confrontos mais “grounded” e outros onde a magia assume total protagonismo, não estivéssemos nós a falar dos dois mais poderosos “magic users” do UCM. Os efeitos especiais do cinema têm aqui a vantagem de elevar a espetacularidade a um nível que WandaVision, por exemplo, não conseguiria. Além das diferentes versões de Estranho e da magia escarlate de Wanda, o antigo Feiticeiro Supremo experimenta com forças que ultrapassam o seu próprio conhecimento, brindando-nos com invocações inovadoras, de onde destaco uma troca de feitiços ao som de notas musicais, a cereja no topo de um filme decidido a torcer-nos o cérebro a cada desenvolvimento.

Doutor Estranho no Multiverso da Loucura é um bom filme da Marvel, usa e abusa daquilo que os Marvel Studios construíram nas suas mais recentes produções de cinema e televisão, mas com exceção de toda a contextualização que dá como garantida e rápidos vislumbres de humor (muito menos do que era habitual), foge ao modelo que nos habituamos a desfrutar do UCM. É por isso difícil evitar sentir alguma expectativa defraudada, mesmo que no final, as resoluções e surpresas recorram e vivam do fã que vive em cada um de nós e apontem claramente para o que aí vem ao longo da Fase 4.

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