The Dark Pictures Anthology: The Devil in Me – Análise

A Supermassive Games vem presentear os fãs da série com mais um capítulo de terror. The Devil in Me é o quarto jogo da série The Dark Pictures Anthology – esta já com a sua pegada bem definida no mercado. Num variado leque de histórias independentes, guiadas pelo terror cinemático, eis que The Devil in Me vem distanciar-se dos títulos anteriores, propondo um horror baseado no massacres e perseguições, como um bom slasher.

The Devil in Me propõe aos jogadores escolhas que podem mudar a vida do elenco para sempre. Altamente inspirado em filmes como Saw ou Hostel, The Devil in Me tem como requisito mínimo um estômago forte, coração duro e cabeça no sítio.

Enredo

Quando apresentado no ano passado, após House of Ashes ter estreado, The Devil in Me prometeu trazer algo completamente novo para a franquia. Os antecessores abordam diferentes temáticas do terror, nomeadamente espiritualidade ou criaturas sobrenaturais, e agora os jogadores têm a oportunidade de testar o seu limite com fortes investidas num terror mais ao estilo dos clássicos slasher.

A narrativa segue exatamente a mesma linha que os anteriores: um grupo de pessoas parte numa aventura com um destino traiçoeiro. Tal como seria de prever, acontece tudo menos aquilo que era esperado. Desta vez, seguimos uma equipa de filmagens que trabalha num documentário sobre o assassino em série americano Dr. Henry Howard Holmes. The Devil in Me traz-nos esta história baseada em factos verídicos e expande-a através da ficção para experienciarmos de perto o tormento vivido na América em pleno séc. XIX.

Podemos contar, claro, com o típico casal chateado, com a antipática do grupo que se acha mais do que os outros, o falso destemido e o elo mais fraco do grupo, que normalmente é beneficiado por ter alguma patologia. The Devil in Me está tão focado na ação que dificilmente estabelecemos uma ligação emocional com cada uma das personagens. Não sabemos nada sobre os respetivos passados, nem tão pouco o que as une, para além de trabalharem juntas, e também não é no The World’s Fair Hotel que as vamos ficar a conhecer.

Acaba por ser uma lacuna, pois sendo uma experiência de gameplay focada em escolhas, sentirmo-nos emocionalmente conectados às personagens é fundamental. No derradeiro jogo, quando temos de escolher entre salvar uma ou outra personagem, pouca diferença faz para nós, já que aquilo que percecionamos delas são apenas os seus traços de personalidade mais vincados. A interação entre elas é absolutamente necessária, para que o objetivo do jogo fosse realmente cumprido: fazer o jogador sentir. Sentir que está a sacrificar ou sentir que está a salvar.

Inspiração

The Devil in Me está repleto de inspirações, a começar pelo nome que não é nada estranho para todos os que estão familiarizados com The Devil in the White City (um best-seller de não-ficção, que conta a história do Hotel da Feira Nacional e de Holmes). Cinematograficamente falando, também conseguimos percecionar algumas referências a filmes como Saw, onde a frase “Let’s play a game” causa arrepios na espinha e, possivelmente, miolos espalhados algures.

O jogo tem início numa época mais antiga – o que remete diretamente para caso de Holmes – e jogamos na pele de um casal que apenas serve de introdução para a narrativa que se vem a desenrolar mais tarde, já no presente século. Dentro do The World’s Fair Hotel, assistimos ao assassinato do casal às mãos de Holmes, servindo de pontapé de saída para o trama do jogo.

Já na atualidade, somos confrontados com a visita do grupo de jovens ao local, o que desperta todo o desenrolar do enredo. O hotel permanece exatamente igual, mas completamente revestido com bonecos de porcelana vestidos a rigor e a desempenhar funções de funcionários do hotel. A estranha sensação de que algo macabro está prestes a acontecer começa a ganhar espaço na sala e daí até que o verdadeiro terror tome lugar, pouco ou nada falta.

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra

Tendo em conta que estas experiências da Supermassive Games contam com aproximadamente 6 horas de gameplay, não é muito interessante ter duas horas para conhecer as personagens, e só depois começar a ação, como acontece em The Quarry.Por outro lado, não ter qualquer tipo de exploração, e partir de imediato para a carnificina, é algo extremamente incoerente porque para sabermos quem salvar temos de conhecer aquelas personagens e identificar-nos (ou não, o que facilita a escolha). Infelizmente, este último é o caso de The Devil in Me.

Torna-se não só um problema de narrativa, mas também um problema de gameplay, tendo em conta que as nossas escolhas dependem dos elementos que o jogo nos dá para conhecermos cada uma das personagens. Para terem uma ideia, vi-me numa situação em que Kata, a cara da capa do jogo, estava a implorar pela vida, bem como outra personagem. Sabemos que Kate tem um papel importante na história, mas dado que não sabemos nada sobre ela, acabei por salvar a outra personagem sem grandes ressentimentos. No entanto, não é apenas a narrativa que contribui para esta “injogabilidade”. A nível de performance, a experiência deixa muito a desejar.

A Supermassive Games é fortíssima em criar cenas de perseguição, em que o jogador participa ativamente ao premir botões para espoletar uma ação. Um pé em falso e pode ser a morte do artista. Estas cenas em particular fazem-nos sentir o coração a palpitar, a urgência em carregar no botão, o alívio ou frustração – consoante o destino dos nossos personagens. Tudo aquilo que não era necessário nesta sequência, são ecrãs de loading. Inclusive, uma vez, cheguei a ter de esperar 2 minutos para regressar a uma cena. O jogo está repleto de erros e bugs. Cheguei a ter de retroceder no gameplay porque houve uma personagem que ficou a impedir-me o caminho; as texturas têm problemas de carregamento; o gameplay está preso ao ponto de um botão “Hide” (esconder) ser impossível de alcançar a tempo; entre tantas outras coisas que fazem de The Devil in Me um passo atrás para a Supermassive Games.

A história que The Devil in Me quer contar é excelente, e exige, sem sombra de dúvidas, um estômago forte, coração duro e cabeça no sítio, como referi no início. Infelizmente, os problemas de narrativa, bem como de performance, traumatizaram por completo esta experiência, reinando a estranha sensação final de que The Devil in Me é um bom jogo que, irritantemente, não dá para jogar.

Figuras imperativas

A série The Dark Pictures Anthology é reconhecida pelos seus elementos com um estilo muito próprio. Quando jogamos qualquer título, sabemos que vamos encontrar o Curador – que nos recebe sempre de forma impetuosa e misteriosa, ao som de “A Conversation With Death”, deparamo-nos com premonições em formato de pistas espalhadas pelo chão; e vamos colecionando tokens que nos beneficiam em momentos decisivos.

Em The Devil in Me, estes elementos tão importantes estão pouco trabalhados. Ao longo do gameplay reuni-me com o Curador apenas duas vezes, o que me fez distanciar da experiência Dark Pictures; as premonições levaram-me ao engano, contrariando o seu propósito; e, ao todo, recolhi 102 moedas inúteis. No fim, fica o agrado em ver rostos familiares, já que também é essa uma das características que define as experiências Dark Pictures: reciclagem de personagens.

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