Tchia – Análise

O mês de março está recheadinho de lançamentos. Contámos já com grandes títulos como Wo Long: Fallen Dynasty, Bayonetta Origins: Cereza and the Lost Demon, e mais recentemente Resident Evil 4 Remake. No meio de títulos tão sonantes, surge um que pode passar despercebido pela sua natureza indie, mas que vai (certamente) encantar muitos jogadores, principalmente os apaixonados por jogos com exploração à lá Breath of the Wild.

Tchia, da Awaceb, chega com a força da natureza e através da sua simplicidade, faz-nos viajar para as ilhas da Nova Caledónia. Este arquipélago é conhecido pelas belíssimas praias com palmeiras e também por ter uma das maiores lagoas do mundo, tendo por isso uma vida marinha muito diversificada. Em Tchia, temos a oportunidade de explorar uma versão animada destas ilhas na pele da pequena Tchia, numa aventura emocionante, vibrante e memorável.


Há todo um mundo lá fora

A simplicidade de Tchia é algo que contrasta de forma gritante com a nossa vida, onde a agitação e o stress do quotidiano fazem-nos estar fechados numa bolha, sem noção da verdadeira dimensão do globo. “Há todo um mundo lá fora” – uma frase que usamos de forma meio poética quando nos queremos encorajar para fazer algo que nunca chega a ser feito. A Awaceb veio dar-nos um pano para esfregar os olhos, e através da viagem que fazemos em Tchia, a nossa noção sobre as coisas torna-se mais realista.

Tchia é um jogo de mundo aberto que nos permite explorar todos os cantos do arquipélago, e por mais que estejamos maioritariamente sozinhos na pele da protagonista, nada se torna aborrecido. Lembro-me de ter sentido a mesma coisa quando estive a analisar Stray. O facto de ser algo estranho, uma realidade tão diferente da nossa, suscita-nos interesse e gera curiosidade sobre tudo e todos que fazem parte da cultura de Nova Caledónia. E apesar de ser um videojogo com visuais caracterizados pelo seu estilo cartoonesco, o que é certo é que nenhuma semelhança é pura coincidência: os dois cofundadores de Tchia viveram e cresceram nas ilhas de Nova Caledónia, fator que explica o retrato tão realista no jogo.

Tchia é uma carta de agradecimento e homenagem à terra natal dos dois cofundadores, e serve como um alerta para todos nós. Porque há mesmo todo um mundo lá fora. O jogo é, de forma profunda, inspirado nos marcos, culturas, música e folclores locais. Até o idioma que ouvimos é fiel às línguas faladas em Nova Caledónia, nomeadamente francês e drehu. Para tornar a experiência dos jogadores mais imersiva, a Awaceb contratou talentos locais para dobragem, artistas e grupos corais tradicionais para interpretação musical. Em Tchia tudo é vivo, tudo é natureza, tudo canta e encanta.

Relaxa, mas não te distraias

Apesar de Tchia ser um jogo bastante suave e tranquilo, com o objetivo de proporcionar aos jogadores uma viagem paradisíaca, o que é certo é que o motivo que nos leva a explorar aquele mundo, não é propriamente positivo. O pai de Tchia é raptado pelo vilão do jogo, Meavora, e é precisamente este acontecimento que desencadeia a aventura que vivemos na pele desta menina resiliente, focada e determinada. Todos estes traços de personalidade fazem com que Tchia descubra que possui habilidades especiais, cruciais na missão de salvar o pai. É quase como se a natureza tivesse respondido magicamente às necessidades da pequena.

À nossa disposição temos um Ukulele que podemos tocar para alterar o ciclo dia/noite; um planador que nos ajuda a sobrevoar sobre o céu azul e que está limitado a uma barra de stamina; e uma fisga que nos permite colher bananas ou cocos. Mas a habilidade mais transformadora de Tchia surge precisamente quando o pai é raptado: soul jumping. Tchia consegue transportar-se na direção de um objeto ou animal e assumir a sua forma.

Isto desbloqueia todo um conjunto de funções, pois cada animal ou objeto tem características muito próprias que podemos usar em nosso benefício em determinada situação. Tanto podemos ser uma lanterna no escuro, como um cervo que corre de forma ágil, ajudando-nos em algumas provas de corridas espalhadas pelo mapa. A nossa missão é então uma: salvar o pai de Tchia enquanto passamos por diversas ilhas e conhecemos personagens que vão marcar a nossa viagem de forma inesquecível.

Simplicidade vs. básico

Como já referi anteriormente, Tchia apresenta um nível de simplicidade que faz sobressair toda a beleza que sustenta o ambiente do jogo, já que o palco são ilhas paradisíacas que transmitem muita calma e serenidade. No entanto, no que concerne ao nível de exigência de gameplay, Tchia acaba por ter poucos elementos realmente desafiantes no que toca à dificuldade. Ora vejamos, os comandos passam por andar, saltar, mergulhar e escalar, e tudo isto num esquema bastante básico e intuitivo.

Diria, por isso, que Tchia é um jogo interessante para se jogar em família, já que a escala de dificuldade está ao alcance dos mais pequenos, e a profundidade do mundo e exploração é um trabalho que os adultos vão querer assumir.

Combate

Ainda que o jogo esteja focado essencialmente na exploração, existem alguns momentos de luta que, novamente, foram feitos a pensar em todos. Precisamente por isso, não esperem nada complexo ou vibrante e frenético – apesar de sentir que a produtora podia ter aproveitado muito melhor os elementos naturais à volta para “apimentar” as coisas. Podem tirar vantagem das várias formas que Tchia assume com o soul jumping, claro, mas não há nada que exija movimentação, coordenação ou estratégia, e estes fatores são realmente importantes para tornar a funcionalidade pertinente.

Com um pano de fundo tão belo e natural, fica a sensação de que os inimigos podiam ser variadíssimas espécies, e não apenas soldados de trapo do Meavora. Esta pequena mudança já abriria portas para que o combate fosse mais diversificado, já que a maneira como se elimina um tubarão não é igual, certamente, à de um escorpião. Entendo, por isto, a ausência de uma árvore de habilidades. Efetivamente, não existe essa necessidade, e a Awaceb ficou-se pela simplicidade.

Personalização

Se há elementos que os jogadores não dispensam são os de customização. Em Tchia temos uma boa dose de personalização que vai mais além da caracterização da personagem principal. Para nos deslocarmos de ilha em ilha, podemos recorrer a uma jangada (esta que não é nada fácil de controlar) e torná-la nossa, personalizando-a ao nosso gosto. Este pormenor é bastante interessante, já que nas ilhas não existem carros, motas, ou outros veículos que ocupam quilómetros de estrada por todo o mundo. Havendo menos variedade e em menos quantidade, a forma como personalizamos a nossa jangada é um reflexo da nossa identidade e tem um significado diferente quando chegamos à costa.

Em relação à pequena Tchia, vai desde a escolha do cabelo, às roupas, acessórios, pinturas faciais, e até podemos escolher o estilo de planador ou Ukulele. Não tem qualquer tipo de influência no jogo, mas sempre podemos tornar Tchia um pouco mais nossa e a experiência com um toque mais pessoal.

Orientação

Como em qualquer jogo de exploração, Tchia também tem um mapa – este bastante colorido, atrativo e simples (para não variar). Tão simples ao ponto de não termos a nossa localização atual apontada no mapa, por isso não percam tempo à procura da seta que acompanha os vossos passos. Há situações em que isto se pode tornar confuso, mas a forma como nos deslocamos com a jangada de ilha em ilha, aliados aos comandos básicos quando estamos em terra, são tudo aquilo que precisamos para irmos em direção ao objetivo.

Uma característica muito particular em Tchia é que as placas direcionais presentes no jogo são realmente úteis. Exigem que sejamos nós a fazer as nossas próprias marcações no mapa, e por seguinte, na bússola que é a nossa melhor amiga. E como tem sempre de haver um pouco de mística à mistura, eis que existem pontos altos espalhados pelo mapa que podemos alcançar e gritar “Koutchi”. Não me perguntem o que significa, mas a palavra é mágica ao ponto de a localização de vários itens-chave aparecer no mapa.

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