Call of Duty: Modern Warfare III – Análise

Nenhum plano sobrevive ao contacto com o inimigo. A citação, atribuída ao marechal de campo prussiano Helmuth von Moltke, terá sido escrita em meados de 1871 e desde então, tornou-se num adágio omnipresente na estratégia militar. Não é por menos, afinal quem nunca viu os seus planos serem gorados pela realidade que atire a primeira pedra. Que o digam os produtores do Sledgehammer Games que, aparentemente, viram os seus planos iniciais serem virados das avessas pela Activision.

É dolorosamente claro que qualquer que tenha sido o plano que o estúdio tivesse para Modern Warfare III, ele mal sobreviveu com a dura realidade a que foi sujeito. Segundo relatos recentes, não só o estúdio tinha outras ideias para o seu próximo projeto, como apenas lhe foi concedido metade do tempo necessário para desenvolver Modern Warfare III.

Ainda que tipicamente não sejam o cartão de visita da franquia, não podemos dizer que as campanhas de Call of Duty sejam desinteressantes – muito pelo contrário – Olhando para a história do jogo, sobram momentos cinemáticos icónicos, personagens inesquecíveis, setpieces espetaculares e missões com um design sublime.

Infelizmente, a campanha de Modern Warfare III não é nada disso. A campanha até começa com o pé direito, numa missão noturna em que temos de resgatar um prisioneiro de uma base repleta de soldados. Nos cerca de 15 minutos que levei a fazer a missão, até fiquei com a impressão que tinha uma campanha interessante nas mãos, mas isso rapidamente se desvaneceu, assim que cheguei ao nível seguinte: a primeira missão aberta, uma das grandes novidades de Modern Warfare III.

No papel, não há nada de errado com a ideia de uma missão em mundo aberto. Não faltam formas de as tornar interessantes e divertidas para os jogadores, mas Modern Warfare III nunca consegue isso. Todas elas apresentam excertos de gameplay que parecem ter sido diretamente retirados do modo DMZ de Warzone – até as caixas com armas e loadouts estão lá! Os objetivos são incrivelmente simples, básicos, inconsequentes e a liberdade que deveríamos ter para os abordar é ilusória. Na esmagadora maioria das vezes, a única coisa que as missões de mundo aberto oferecem é apenas uma maior área de jogo.

Regra geral, começamos com uma abordagem furtiva, mas em todas as missões, assim que fui descoberto tive de enfrentar uma enchente de soldados inimigos, que sem as rodinhas das missões lineares, estão completamente perdidos. Em vagas aparentemente intermináveis, dezenas de soldados atiraram-se para a minha frente, às vezes materializando-se do nada, outras vezes saindo de cobertura, expondo-se em portas ou corredores, à espera de uma bala certeira. Numa destas missões, tive que me infiltrar sob disfarce numa base, onde frustrantemente, tinha um Game Over caso me aproximasse demasiado de um inimigo. Felizmente, as missões de mundo aberto podem ser completas numa questão de poucos minutos.

(…) não querendo entrar em spoilers, o final da campanha é possivelmente o desfecho mais anticlimático que alguma vez experienciei na vida.

No meio disto tudo há alguns bons momentos, mas são escassos e nunca conseguem atingir a fasquia que outrora a franquia já alcançou. Com 14 missões que podem ser facilmente cumpridas em pouco mais de três horas, a campanha de Modern Warfare III consegue o feito de ser uma das, senão a pior de toda a franquia.

Se o gameplay não impressiona de todo, a narrativa também não segue outro caminho: curta e incoerente, temos um autêntico vendaval de entradas de saídas de cena de figuras conhecidas. Algumas regressam de forma inexplicada, depois de terem sido dadas como mortas, outros aparecem durante 30 segundos, e saem de cena à velocidade da luz, para nunca mais as voltarmos a ver. No final, fica a ideia de que a campanha foi uma tentativa falhada de repetir alguns dos melhores momentos da franquia, mas acaba por falhar redondamente, não aproveitando o leque de personagens que tinha em mãos. E não querendo entrar em spoilers, o final da campanha é possivelmente o desfecho mais anticlimático que alguma vez experienciei na vida.

Multiplayer

O multijogador é um dos pontos fortes de Call of Duty e Modern Warfare III não foge à regra. Aqui, o Sledghammer Games sacou de alguns trunfos, trazendo de volta os mapas clássicos para agarrar os fãs veteranos do shooter. Se isto pode agradar a quem já conhece os mapas como a palma da mão, os novatos poderão ter uma experiência bem diferente, até porque os jogadores de Modern Warfare II trazem consigo todas as armas que já tinha desbloqueado previamente.

Isto causou-me um choque inicial, pois nas minhas primeiras partidas fui recebido por alguns jogadores que já estavam apetrechados com melhores armas e gadgets (e jeito para a coisa, diga-se de passagem). O segundo e maior choque surgiu quando me deparei com jogadores que se movimentavam a uma velocidade inacreditável, entre saltos, piruetas e agachamentos, e que ainda assim, tinham uma pontaria e velocidade de reação quase sobre-humana.

A experiência é fundamentalmente similar ao que já tínhamos no predecessor Modern Warfare II. O gunplay continua sólido e a maior novidade é a possibilidade de cancelar o slide – uma manobra conhecida como Slide Cancelling. Para os jogadores mais casuais, isto pode não significar muito, mas para os mais hardcore, este pequeno detalhe faz toda a diferença e abre todo um novo panorama no que toca à expressão de habilidade. Escusado dizer que eu fui totalmente siderado por jogadores que dominam esta manobra.

Quanto às novas armas e equipamentos de Modern Warfare III, preparem-se, o sistema para as desbloquear é incrivelmente opaco, obtuso e incómodo. Para termos acesso às novas armas, é necessário selecionar a arma que queremos desbloquear manualmente – e apenas podemos desbloquear uma de cada vez – para depois completar uma série de desafios diários condicionais. Na prática, isto significa que o nosso progresso está diretamente associado aos desafios diários, que podem ser impossíveis ou bastante difíceis de completar e acabam por prolongar artificialmente o processo de desbloqueio. E se porventura se esquecerem de ativar manualmente o desbloqueio de uma arma, como me aconteceu a mim, digam adeus ao progresso que não é contabilizado até que o façam.

Zombies

A grande novidade de Modern Warfare III é o novo modo Zombies, que leva o modo para um mapa aberto, ao estilo de DMZ. Na sua essência é tudo bastante similar: somos deixados num novo mapa, com várias missões para cumprir, material para pilhar e depois temos que fugir do mapa, com a mochila cheia. A diferença de DMZ é que o modo é exclusivamente PvE, ou seja, não há o risco de sermos emboscados por outros jogadores em qualquer momento. Isto retira uma dose considerável da tensão deste modo de jogo, tornando-o numa experiência mais relaxada – volta e meia, dei por mim a juntar-me a outras equipas para terminar as minhas missões em segurança.

Ao contrário do que acontece noutros shooters cooperativos, como Left 4 Dead, Back 4 Blood ou 40K: Darktide, a natureza aberta deste modo retira-lhe a claustrofobia e sensação de desespero típica do género. O formato aberto do género também abafa a componente narrativa. A história é contada através das missões que selecionamos antes de entrar no campo de batalha e cinemáticas que desbloqueamos progressivamente. No entanto, para cumprir estas missões temos de completar tarefas mundanas no campo de batalha, como defender posições de ataques de zombies, escoltar veículos, ou assaltar cofres.

No meio disto tudo, há hordas de zombies em todo lado, powerups para apanhar, cães infernais que explodem, criaturas mutantes e momentos absolutamente caóticos. Na verdade, e mesmo com os seus defeitos, foi neste modo que mais me diverti. Mesmo com os períodos mortos habituais de um modo de jogo desta natureza, não faltam momentos altos em cada partida.

Defender uma casa rodeada de uma enchente de zombies enquanto abrimos um cofre é fantástico, atirar uma granada para o meio de uma horda e vê-la desfazer-se numa explosão de sangue e vísceras é delicioso e saltar para um helicóptero de extração enquanto um oceano de zombies tenta impedir-me é fantástico, mesmo que não atinja a mesma tensão de uma saída da DMZ, em que estou constantemente a olhar em redor à busca de uma equipa de jogadores com mísseis anti-aéreos.

Mesmo eu que prefiro jogar com amigos em vez de estranhos, nas várias partidas que joguei tive sempre boas experiências. Talvez por ser novidade, ou talvez por ser um modo menos – permitam-me a expressão – “suado,” foi fácil comunicar e colaborar com estranhos. Numa destas partidas, não pude deixar de esgaçar um sorriso rasgado quando um dos meus colegas caçadores de zombies parou num terraço de uma casa abandonada e disse: “Eu sei que estamos no meio de uma missão, mas bolas a vista é incrível.”

E até que tinha razão.

O maior problema de Call of Duty Modern Warfare III é a forma como nos é apresentado. Desde os primeiros momentos que fica claro que este projeto nunca devia ter sido apresentado como um jogo Premium, com um custo de cerca de 70€. Desta vez, o hábito de lançar um novo Call of Duty todos os anos provou ser um terrível exercício para a Activision, que não só trai os jogadores como deixa ficar mal o Sledgehammer Games, que no pouco tempo que teve para desenvolver o jogo, até mostrou ter boas ideias.

A soma de todas as partes de Call of Duty Modern Warfare III não chega para justificar o seu preço. A campanha fica muitíssimo aquém do que a franquia já mostrou no passado, o modo multiplayer podia muito bem ser uma atualização reforçada (e não faltam exemplos de franquias que o fazem bem) e o modo Zombies tinha tudo para ser um bom DLC com um preço razoável.

Resta à comunidade de Call of Duty decidir se vale a pena pagar pela edição deste ano e à Activision assumir um novo modelo de lançamentos.

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