Werewolf: The Apocalypse – Earthblood – Análise

Werewolf: The Apocalypse – Earthblood teve o condão de desbloquear-me uma memória guardada algures na partição para traumas provocados por más decisões, sobre um jogo antigo que comprei para a primeira PlayStation, no tempo em que comprávamos um ou dois jogos por ano, a Internet era ainda um privilégio de poucos e havia uma enorme variedade de jogos a descansar nas prateleiras das lojas.

Tudo o que me lembro é que uma caixa mereceu o meu investimento, tratava-se de um shooter na terceira pessoa onde explorávamos um mundo alienígena exótico, que atravessávamos de forma atabalhoada eliminando um exército de irmãos gémeos pelo caminho. Talvez esteja enganado e a exuberância que me recordo está relacionada com a predominância do amarelo no uniforme do protagonista, não sei mesmo, tentei pesquisar o jogo online, mas não encontrei.

grande parte do que se seguiu na experiência, foi um tremendo balde de água fria.

Joguei-o até à exaustão, apesar de me ter desiludido a vários níveis. Na altura as capas dos jogos conquistavam pessoas, hoje são os trailers de apresentação, que antes do gameplay se passear pela Internet, convencem os jogadores a completar pre-orders. Werewolf: The Apocalypse – Earthblood tem uma extraordinária cinemática de introdução, que nos posicionava no canto da mitologia World of Darkness onde o estúdio Cyanide o encaixou, mas tal como o título que a minha memória apagou, grande parte do que se seguiu na experiência, foi um tremendo balde de água fria.

Tem os seus pontos positivos, desde logo a mitologia envolvente, um mundo onde criaturas mágicas lutam pelo poder e onde existe um equilíbrio tênue entre diferentes forças: Wyld, responsável pela criação da natureza e da vida; Weaver, que dá forma à criação e garante ordem e equilíbrio entre os elementos; e Weaver, cujo propósito é destruir o velho para abrir espaço para o novo, uma força de renovação fundamental para a evolução.

Iniciamos a aventura na pele de Cahal, que como qualquer lobisomem, vive em matilha lado-a-lado com os seus pares, dividido entre a vida de homem de família, agente de equilíbrio e ordem decidido a combater a crescente corrupção da Weaver, e finalmente o lado selvagem associado à sua condição meio-animal. A transição entre as três formas de Cahal, Homem-Lobo-Lobisomem, é o segundo ponto positivo de Earthblood, uma fantasia nada comum no gaming, convincente a espaços e com uma vibe Altered Beast que prometia imenso.

A transição entre as 3 formas de Cahal, Homem-Lobo-Lobisomem, é o segundo ponto positivo

Num mundo afetado pela corrupção, encabeçada pela mega corporação Endron, Cahal perde uma das pessoas que lhe são mais próximas, descontrolando-se e matando um irmão da matilha no processo. É este episódio que incita toda a ação e afasta o protagonista da filha, porque claro, os produtores precisavam de humanizar o herói de alguma maneira, e de guardar uma bengala narrativa para aproveitar no futuro.

O problema é que há zero dramatismo em Earthblood, existe uma montanha de exposição que nos é atirada para cima logo nos primeiros minutos, de forma tão acelerada que corta demasiados cantos e não nos permite digerir os acontecimentos. Não temos tempo para nos preocuparmos com o protagonista e o jogo já quer que demonstremos sentimentos para com as coisas que lhe são queridas?

Transmitir emoção é uma arte, ora através das interpretações, ou de bom timing acompanhado de um texto impecavelmente escrito. Earthblood falha em todos os esses requisitos, seria impossível ter uma boa interpretação com modelos que parecem versões remasterizadas de há duas gerações atrás, o protagonista é o melhor que se arranja no meio de um festival de manequins que ganharam vida por magia, e no caso do texto, embora algum voice acting seja competente, o texto é “frio, fraco e formigas a flutuar”.

As coisas melhoram no caso do gameplay, mas mesmo aí, tudo se encerra nas capacidades do protagonista. Há um sistema de diálogos sem grande repercussão, ou está muito bem disfarçado, um conjunto de quests secundárias que podemos descobrir acedendo ao mundo espiritual, que o jogo chama de Penumbra, de modo a receber recompensas adicionais, num sistema de progressão tradicional nos RPGs de ação, mas sem grande profundidade.

O combate é a melhor parte, é incentivada a possibilidade de optar por duas abordagens, furtiva ou destruidora, em forma de lobisomem, que Cahal assume sempre que a raiva toma conta de si, no caso quando somos descobertos e uma chuva de balas chove em cima de nós. Em Lobisomem temos ainda duas sub-formas, ou posturas se quiserem, mais ágil e rápida, ideal para enfrentar múltiplos oponentes, e outra lenta e agressiva, em que Cahal se posiciona de forma mais ereta. Chegado a um determinado nível de raiva, durante uns segundos podemos aceder ainda a uma terceira forma, que combina as vantagens das duas posturas durante um período limitado de tempo.

Alternar entre formas ao longo do combate, investindo rapidamente sobre inimigos desamparados, trocando depois de postura para lidar com os oponentes com escudo ou protegidos no interior de um gigante Power Loader estilo Ellen Ripley, é a melhor parte do jogo. Não sou de todo um jogador furtivo e a inteligência artificial chega a níveis deploráveis, portanto, a maior parte do tempo foi passada de quadro em quadro a varrer grupos, fossem eles de inimigos ou pobres trabalhadores, porque se os vampiros têm sede de sangue, os lobisomens são criaturas calmas, “o que os f**e são os nervos”.

Existem pontos especificamente montados para o spawn dos inimigos, adequado se tivéssemos duas gerações atrás, numa progressão linear que para disfarçar, vai introduzindo uma espécie de sistema de hack para ligar e desligar portas/câmaras. Basicamente, nem as poderosas guitarradas da banda-sonora evitam que acabemos inevitavelmente aborrecidos com o combate passados alguns minutos.

Não há muito mais que possa ser dito sobre Werewolf: The Apocalypse – Earthblood, um bom conceito que merecia bastante mais investimento de tempo e dinheiro, o “feel low cost” é sentido nos modelos, no texto, nas texturas datadas e até na forma como o design dos níveis está estruturado em biomas, para dar ideia de navegação apesar de tudo acontecer sensivelmente nos mesmos locais. Estes sentimentos eram ainda mais contrastantes, quando me lembrava que estava a jogá-lo numa consola de nova geração. Vale pela exploração da fantasia, a possibilidade de trocar entre diferentes formas, de lobo a Lobisomem, uma criatura apaixonante, que o gaming tem negligenciado há demasiado tempo.

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