Days Gone – Análise

Cerca de três anos passaram sobre a revelação de Days Gone durante a E3 2016, e muitas foram as dúvidas que se levantaram em relação àquele que é o projeto mais ambicioso da Bend Studios, produtora (des)conhecida por Syphon Filter e uma mão cheia de títulos para as consolas portáteis da Sony. Apesar de tudo, o estúdio encarou o touro pelos cornos, tendo ainda a audácia de desenvolver um jogo de sobrevivência em mundo aberto, que, segundo eles, apresentaria uma narrativa capaz de dar continuidade à tradição dos exclusivos PS4, levando a consola da Sony, na altura mais longe do fim do seu ciclo de vida, ao limite das suas capacidades. Um discurso forte, que levanta a questão: será que conseguiram cumprir as suas promessas?

Será que a Bend Studios conseguiu cumprir as suas promessas?

Vamos por partes, começando por Deacon St. John, o motoqueiro protagonista desta aventura pós-apocalíptica. Deek, é assim que gosta de ser tratado pelos mais próximos, sempre foi um homem de casca grossa, mesmo antes de uma pandemia deitar por terra o mundo que conhecia, mas podemos caracterizá-lo como uma pessoa absolutamente normal, incapaz de resistir aos encantos do amor, e regido por um código moral feroz, onde a fraternidade que já fazia parte do seu vocabulário, foi exponenciada pela integração num grupo de motoqueiros e pelo seu passado militar. Na “idade da parvalheira” cometeu os seus delitos, fez as suas asneiras – muito devido ao meio onde estava inserido – e partiu alguns corações… até conhecer Sarah, a mulher que o o fez ganhar juízo e nunca mais olhar para trás, e que, à partida para este jogo, é sua esposa.

Quanto mais não seja pelos materiais promocionais para Days Gone, sempre foi claro que Deacon é um homem simples, sem traços de personalidade que o afastem muito do comum mortal. Ao longo das mais de 30 horas que demorei até ver o fim do jogo, Deacon não evolui muito como personagem, mas o mesmo não acontece com a nossa empatia em relação àquilo que está a viver. A sua forma de ser marca a grande maioria das suas decisões, seja na primeira ou na última hora de jogo. Deek faz o que considera ser o melhor para os seus, colocando-se, muitas vezes, em segundo plano, sendo incapaz apenas de magoar mulheres desarmadas, crianças e animais – se soa familiar, talvez tenha sido esse o objetivo da Bend ao criar esta personagem. Certo, não estamos perante um Nathan Drake, uma Ellie, um Joel ou uma Aloy, mas Deacon distingue-se por ser um de nós, alguém com o qual facilmente nos identificamos.

Deek sempre foi um homem de casca grossa, regido por um código moral feroz…

Se algumas das figuras mais memoráveis da história dos videojogos sobressaem pelas suas características únicas, Deacon é moldado pelas pessoas que encontra neste perigoso mundo onde tem de viver, e que trazem à tona aquilo que a sua cabeça e coração escondem. As suas interações com todos os que o rodeiam ajudam a dar forma a uma personagem convincente, com os pés assentes na terra. Nesse círculo de pessoas podemos incluir Boozer, o seu melhor amigo, companheiro de aventuras e desventuras, alguém por quem o herói daria a vida, caso fosse necessário.

Tendo em conta o mundo que a Bend Studios criou para Days Gone, essa hipótese tem de ser considerada, e ao longo do jogo vamos assistindo a uma relação de amor fraterno que passa por altos e baixos, mais uma vez, como acontece com qualquer um de nós. Existem outras personagens dignas de registo, claramente algumas que nos ficam mais gravadas na memória do que outras, que nos fazem perceber que St. John é flexível e inteligente o suficiente para saber lidar com todo o tipo de gente, algo que parece essencial quando uma grande parte da população está infectada por um vírus mutante e transformada em seres que olham para ti como uma apetitosa refeição.

Penso que será legítimo afirmar que Days Gone não tem uma linha narrativa linear única, que serve como fio condutor para tudo o que vamos vivendo enquanto os dias vão passando. Somos presenteados com várias histórias em paralelo, quase todas interligadas, e essa é uma preposição interessante, mas muito difícil de concretizar. Saúdo a coragem dos escritores, até porque é um excelente corta-sabores para a premissa geral de Days Gone, mas ao fazê-lo tiveram de dividir o seu investimento em termos de escrita. O jogo oferece uma história bastante competente, onde tudo acaba por fazer sentido, mas perde um pouco em termos emocionais, algo que julgo fazer a diferença entre um jogo incrível e uma obra-prima.

O ritmo narrativo do jogo é bastante lento no primeiro terço, mas aquece no segundo ato…

O ritmo é bastante lento no primeiro terço do jogo, onde até as personagens secundárias que vamos conhecendo são mais desinteressantes e desprovidas de profundidade, mas aquece e de que maneira no segundo ato, onde aí sim, conhecemos algumas das figuras mais inesquecíveis de Days Gone. Essa primeira parte pode ser vista como uma espécie de tutorial, bem necessário para nos preparar para o que vamos ter de enfrentar, mas também como uma tentativa de esticar a duração do jogo ao ponto de justificar um mundo aberto tão grande e complexo, que se afasta tanto da linearidade de outros jogos com os quais foi comparado, como é o caso de The Last of Us. Mesmo assim, nunca deixa de ser interessante, quanto mais não seja porque nos leva a percorrer uma parte de Farewell e a tomar um primeiro contacto com (quase) tudo que este mundo tem para nos mostrar.


Continua…

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