Death Stranding – Análise

Existe um “Elevado nível de DOOMs observado naqueles que nasceram sob a constelação de Caranguejo, Peixes, Cetus, Delphinus e Gigas.”


Temos tendência a procurar explicar aquilo que foge ao nosso conhecimento. Os indivíduos com DOOMs, habilidades que lhes conferem uma ligação especial com o que está entre o mundo dos vivos e dos mortos, entram na categoria, um elemento sobrenatural que introduz o mundo criado pela nova Kojima Productions, o estúdio que Hideo Kojima montou depois do “divórcio” com a Konami e que tem em Death Stranding a obra de estreia.

É um título complexo, não há uma forma simples para defini-lo, pode ser analisado e entendido a partir de diferentes lentes, de modo abstracto pela sua simbologia, pelo tipo de gameplay ou pela história da qual são protagonistas várias caras conhecidas do mundo do cinema e televisão, que fazem de Death Stranding uma absoluta vitória para o meio. A participação de nomes como Guillermo del Toro, Norman Reedus ou Mads Mikkelsen empresta uma dimensão e credibilidade singulares ao projeto, apesar de abrirem questões de nível contratual em relação a direitos de imagem futuros, coisas que discutiremos noutras primaveras.

Hideo Kojima foi repetidamente questionado sobre a possibilidade de trabalhar um novo género, uma franquia que não fosse aquela a que esteve confinado durante anos. O produtor deu muito à indústria e ao meio com Metal Gear, a série fê-lo famoso e tornou-o num dos mais autorais e respeitados criadores da indústria, mas as amarras eram evidentes, se assim não fosse, a explosão de liberdade criativa não tinha atingido estes níveis. O jogo é avassalador, até muito perto do final achei que não ia conseguir retirar sentido das várias questões que foram sendo levantadas pelas cinquenta horas que deixara para trás. Não foi um acaso estúdio e PlayStation entenderam ser necessário dar três semanas de antecedência aos “reviewers”. Felizmente, no final a ligação ao cordão ficou completa e o meu espírito rendido, uma vez mais, à coragem de Hideo. Comecemos pelo princípio.

Sam “The Trans” Porter Bridges

As pessoas habituaram-se a admirar o “senhor do correios”, aquele que traz notícias de familiares longínquos às pessoas isoladas ou encomendas apetecíveis aos info-incluídos. É necessária uma mente muito peculiar para montar um cenário onde essa seja uma tarefa colocada num pedestal em contexto de videojogo. Depois da catástrofe que precede um mundo pós-apocalíptico e das pessoas erguerem verdadeiros muros à sua volta, o herói é aquele que percorre a savana de morte e destruição para trazer-nos os alimentos ou materiais necessários à preservação.

Sam Bridges é o melhor desses transportadores, possui um nível de DOOMs que lhe permite sentir a proximidade dos BTs, seres que existem entre planos e que se conseguirem devorar um humano, provocam aquilo a que o jogo chama de Voidout, uma gigantesca explosão que deixa para trás uma cratera no mundo, fenómenos que desencadearam o Death Stranding. Sam tem a exigente missão de reconectar a América do Norte, sempre ela, as agora Cidades Unidas da América (UCA), empurrado por uma mistura de drama pessoal e questões políticas que envolvem um dos sucessores de Donald Trump.

A reconexão é um tema recorrente ao longo da narrativa, embora Death Stranding seja um dos jogos mais solitários que “conheci”. Encontramos referências a diferentes mitologias, teorias e até equações matemáticas, mas na base está algo bem mais palpável e familiar a todos, como que um mapa para o desenvolvimento e progresso humano. Como se supera uma situação apocalíptica? Com o conhecimento de 4.6 mil milhões de anos de história. O transporte de bens e mais tarde as trocas tiveram um papel fundamental para o progresso. Sam vai percorrer o território completando entregas e reactivando diferentes áreas do continente, o que lhe permite agregar conhecimentos para a nova civilização, juntar-lhe utensílios, áreas científicas e até expressões artísticas que contribuem para o crescimento e agigantamento das UCA.


Continua…

Share