Cyberpunk 2077: Quem vê dinheiro, não vê corações

Foi já no longínquo ano de 2013 que a CD Projekt Red nos apresentou aquele que viria a ser um dos jogos mais antecipados da indústria dos videojogos, Cyberpunk 2077. E verdade seja dita, acaba por atingir este estatuto por mérito próprio. A produtora polaca atingiu um estatuto elevadíssimo entre a comunidade graças ao trabalho exímio com The Witcher 3: Wild Hunt, sendo o futuro da companhia promissor.

Confesso, fui um dos apanhados pelo louco entusiasmo…

Confesso, fui um dos apanhados pelo louco entusiasmo que envolveu Cyberpunk 2077, principalmente após o lançamento do terceiro de Geralt of Rivia, mas rapidamente fui moderando esta ansiedade por aquilo que, na verdade, era desconhecido. Uma das coisas que aprendi com a recente história da indústria foi ser comedido no que diz respeito às expectativas, e a certa altura senti que a comunidade, que de há uns anos para cá não tem poupado críticas às grandes editoras, acabaria um dia por abraçar o mesmo caminho.

EA, Ubisoft, Activision, Blizzard, todas elas já caminharam pelas mesmas ruas que Cersei Lannister caminhou naquele célebre episódio de Game of Thrones, enquanto que a CD Projekt estava ainda em terras tão longínquas de Westeros a desenvolver um dos exércitos mais temíveis da história, tal como Daenerys Targaryen e os seus dragões, conquistando mais e mais seguidores para a sua causa. O desfecho, é aquele que vocês conhecem.

Cyberpunk 2077 acaba por ser o fruto da ganância que se vive nos dias modernos, e da qual os líderes da CD Projekt Red não conseguiram fugir, e mais do que isso, não transmitiram aos seus seguidores a honestidade que mereciam. Se de um lado tinham a pressão dos investidores que rapidamente queriam que o seu financiamento se traduzisse em lucro, do outro tinham os jogadores, aqueles que se sentiram traídos no dia 10 de dezembro de 2020.

A mentira ganha uma proporção maior na altura de enviar o jogo para a imprensa…

Quando olho para o passado recente e leio tudo aquilo que os executivos da produtora foram dizendo, cada vez mais concluo que fomos vítimas de uma fraude, de uma mentira que culminou da pior forma possível. Em janeiro de 2020 o jogo estava “terminado e jogável” e poucos dias antes do lançamento o diretor executivo afirmava que Cyberpunk 2077 chegaria com poucos erros e que seria difícil encontrá-los.

A mentira ganha uma proporção maior na altura de enviar o jogo para a imprensa especializada, para que esta pudesse finalmente dar o seu veredito e concluir aquilo que todos queríamos: Cyberpunk 2077 é tudo aquilo que os jogadores sonharam. Neste processo, a produtora decidiu enviar a versão PC para os meios (não permitindo que imagens gameplay fossem exibidas!), mascarando aquilo que viria a ser um dos maiores fiascos da história da indústria.

Dia 10 de dezembro, jogo instalado nas consolas PS4 e Xbox One, e os jogadores partiram para Night City, o sonho que viraria pesadelo. Estamos provavelmente a falar do maior mercado geracional da história, que exponenciou os lucros das mais conhecidas editoras do setor, uma geração que apesar da chegada das novas consolas, continua a representar a maior fatia do mercado… Um grupo que não merecia este desfecho, mas mais importante que isso, não merecia esta mentira.

Todo o caminho até ao lançamento foi atribulado, não só pelos sucessivos adiamentos, que por si só não agoirava coisa boa, mas pela maneira como a produtora tratou o seu capital mais valioso, os funcionários. Estes foram obrigados a trabalhar para lá do seu horário habitual para que o jogo fosse entregue no melhor estado possível, mas nem estas horas extraordinárias foram suficientes. Isto levou a que vários produtores confrontassem a CDPR.

Desde os deadlines irrealistas, às palavras públicas da companhia que não correspondiam de todo à verdade, os funcionários acabam por sair também eles derrotados e provavelmente desmotivados em continuar a laborar para uma companhia que lhes tirou tudo. Um deles chegou mesmo a proferir as seguintes palavras aos seus superiores: “não consideram uma hipocrisia fazer um jogo sobre exploração corporativa e obrigar os seus funcionários a fazer obras extraordinárias?”.

No final do dia, existe uma expressão popular que resume bem todo este caso: “no melhor pano cai a nódoa”. Mas não tinha que cair. Já tive a oportunidade de jogá-lo (para PC obviamente), e mesmo com os vários bugs visuais, estou a adorar a experiência. Night City é incrível, os seus personagens a sua alma, mas a sua ganância extrapolou para a realidade e será algo difícil de esquecer.

A reputação da CD Projekt Red passou do paraíso para o inferno, e os seus responsáveis sabem bem que o caminho a percorrer será doloroso. Mas cada um colhe aquilo que plantou. Não existe desculpa para a mentira, nem reembolso que apague da memória a desilusão que foi o lançamento de Cyberpunk 2077. Mas já devíamos estar preparados, porque quem vê dinheiro, não vê corações.


Pedro Ferreira é produtor de conteúdos do IGN Portugal. Podes segui-lo no Twitter

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