Entrevista: Andrew Koji, protagonista de Warrior da HOB

Estreia hoje, 3 de outubro, a segunda temporada de Warrior na HBO Portugal, a surpreendente série produzida pela própria filha do mestre das artes marciais, Shanon Lee, com base num conceito original do pai.

Mais do que uma série de artes marciais, Warrior destacou-se nas ofertas de televisão graças à forma como retrata um período particular dos EUA, pós guerra civil, quando milhares de asiáticos foram traficados para trabalhar na construção de San Francisco, ao mesmo tempo que eram vítimas de segregação por parte das comunidades locais, elas próprias formadas por imigrantes de diferentes zonas do globo.

A história segue Ah Sahm, um prodígio das artes marciais, que chega ao país habituado a resolver tudo com os punhos, mas que cedo percebe precisar de dominar outras artes para navegar pelo submundo da máfia e interesses obscuros de vários grupos e famílias criminosas.

Recentemente a HBO convidou o IGN Portugal para uma sessão de entrevista conjunta com Andrew Koji, que interpreta Ah Sahm, e nos contou como as artes marciais e o sucesso de Warrior mudaram a sua vida.

Costuma ser reconhecido nas ruas, alguma coisa que partilhas com Ah Sahm?

Posso dizer que esta série mudou a minha vida, para lá do aspeto profissional. Antes dela eu era um ator com dificuldades, estava numa fase difícil, não me tratava propriamente bem, ou sequer me alimentava convenientemente.

A experiência de interpretar este personagem, fazê-lo bem, pelo menos pelo lado físico, tens de te aproximar o máximo do aspeto Bruce Lee, comecei a treinar 6 dias por semana, tento descansar um dia, inicialmente até exagerei no treino. O físico também, que é uma ciência por si só.

Bruce Lee, uma filosofia de procurar a excelência em tudo

Diria que na altura, se o meu primeiro grande papel fosse um personagem que bebesse e assim, não estaria aqui. O modelo Bruce Lee, uma filosofia que passa por dar o máximo, procurar a excelência em tudo o que fazemos, mudou completamente a minha vida e estou muito grato por isso.

Que tipo de artes marciais fazes hoje em dia?

Antes de Warrior, quer dizer, talvez seja melhor começar pelo início. Cresci com os filmes de Jackie Chan, foi a primeira pessoa que me inspirou no mundo das artes marciais. Depois joguei muito Tekken, queria ser como Hwoarang e aprender a lutar. Inspirou-me a aprender Taekwondo, que fiz durante alguns anos, até ter uma lesão grave.

Mais tarde comecei o Kung-Fu e tornei-me obcecado na parte mais teatral, estudei diferentes artes marciais, e depois aos 20 e poucos anos, estava no Japão e fiz várias cenas de ação para numa companhia de duplos. Naquele tempo, lembro-me de olhar à volta vendo os filmes que estavam a ser filmados. Lembro-me de pensar, eu quero fazer aquilo.

Joguei muito Tekken, queria ser como Hwoarang…

Quando surgiu Warrior, tive de recordar tudo, 10 anos de treino, em muito pouco tempo. Foi como pegar numa velha bicicleta, muitas das coisas voltaram rapidamente, a memória muscular permitiu-me recuperar as coisas rapidamente, os golpes e coisas que fazia há anos atrás. Para a season 2 fui para à Coreia e treinei com grandes mestres de TaeKwondo, para melhorar os meus pontapés.

Hwoarang.

Tens de ser muito disciplinado, como é que usaste isso para a caracterização de Ah Sahm?

A disciplina é um aspeto central, acho que é o que interessa às pessoas. As pessoas no ocidente apaixonaram-se pelas artes marciais muito por causa da disciplina. Talvez seja por isso que muita gente vai para o exercito.

Eu medito todos os dias, tem sido consistente na minha vida, e agora as artes marciais novamente. Para nós, humanos, aceitar a nossa humanidade, podemos cair em depressão, passar por momentos negros, a disciplina pode salvar-te a vida. Há um homem que me ensinou algumas lições inesquecíveis, ele tem um estúdio de artes marciais e recebe pessoas que não têm nada, dá-lhes um propósito, e isso pode mudar a tua vida.

Seja o que for que decides fazer, tocar guitarra, artes marciais, mesmo ser ator, precisas de disciplina, deixar o prazer de lado, porque tenho de tratar bem o meu corpo, ajuda-te a ter foco, tratares bem o corpo, é mais do que importante, é fundamental.

Na temporada 2 vemos mais coreografias, e mais arrojadas. Foi mais difícil?

As lutas são escritas como se fossem um guião, o diretor fala comigo antes da ação para discutirmos a filosofia e tom do combate, depois discutimos os momentos Bruce Lee que podemos incluir na luta, para homenageá-lo, sem nunca procurar imita-lo.

Geralmente recebo indicações da equipa, eles mostram-me prévias, como que vamos esculpindo os momentos com performance, encontramos um equilíbrio entre o que está previsto e o que vamos adicionando.

Seja o que for que decides fazer, precisas de disciplina.

Podes ensaiar 50 vezes mas há sempre uma parte de adaptação, é um processo de adaptação. A parte mais difícil, de longe, foi a do confronto final, que eles marcaram para uma sessão em que filmamos 4 episódios de uma vez. Eles quiserem que eu me protegesse na primeira temporada, não era boa ideia matar o teu ator principal (risos). Na segunda foi mais exigente, quando filmamos a última parte eu estava exausto, não conseguia dar pontapés demasiado altos porque me tinha lesionado, o meu corpo estava uma desgraça.

Pensei que não ia conseguir terminar, lembro-me de chorar na minha cabine. Tínhamos duas opções, ou filmávamos no fim da série, esperando um mês e meio, ou fazíamos tudo essa noite. Acho que filmamos mais de 50 cenas nessa noite. O profissionalismo, companheirismo e concentração de todos foi como magia, nunca o vou esquecer.

Ah Sahm cresceu muito. Achas possível numa hipotética temporada 3 ele usar mais a cabeça do que os punhos para alcançar os objetivos?

Sim, penso que esse é o caminho, talvez chegar ao ponto em que ele não precise sequer de lutar mais, no fundo acho que essa é a sua vontade. Claro que essa é provavelmente a sua expressão natural, penso que ele tem propensão natural. Mas ele conhece melhor o jogo à sua volta agora, joga melhor o xadrez da vida real.

É mais calculista do que quando o conhecemos, não acho que venha a tornar-se num dos melhores estrategas, mas não me parece que ele queira viver esta vida de gangster para sempre. Não o vejo assim eternamente.

Os temas abordados são uma das razões do sucesso da série. Sentes isso na interação com os fãs?

Sim, é verdade. Quando filmas estás como numa bolha. Eu não tenho muito jeito para relações públicas e assim, sou tímido. Nas filmagens da temporada 2, estávamos no Canadá numa zona com uma grande comunidade asiática, por vezes íamos jantar e assim, as pessoas reconheciam-me, vinham ter comigo para falar sobre a série.

Eu percebia com significava muito para elas, é a história dos seus antepassados. Era muito importante para eles porque representa as suas famílias, mesmo que muito distantes, por tudo o que passaram, mesmo que num ambiente de fantasia.

Uma das coisas incríveis da série, não só para a comunidade asiática, é que não existe preto e branco, é tudo cinzento. Mesmo para os atores, e recebo mensagens sobre isso, ver personagens humanos, com as suas particularidades, os seus próprios problemas e defeitos, independentemente da origem, para lá da temática kung-fu, é muito mais do que uma série de ação.

Warrior tem sido uma grande lição, nesta indústria há muito lixo. Fico a pensar frequentemente, o que é que isto contribui para a humanidade? Claro que nem tudo tem de ter uma mensagem, por vezes é só entretenimento.

As culturas das pessoas, partes da humanidade, pessoas de quem podemos nunca ouvir falar, e que nunca ouvimos falar antes. Penso que cada série que mostre estes cantos, dê uma voz, e também podes fazê-lo como entretenimento. O irônico de Warrior, especialmente com este sentimento anti-chinês por causa do coronavírus, é que dá voz a esses grupos e pessoas que nunca tiveram atenção, uma série de artes marciais.

É benéfico para nós olhar para a história, porque depois podes perceber o quanto mudaste ou não, mostra às pessoas como é a realidade, gosto de personagens que são reais, acho-os muito mais interessantes, acho que isto é para mim, disse o antes, podemos não ter o nível de audiência de Game of Thrones, mas tenho o feeling que isto é muito importante no campo da representação, é uma honra e uma benção para mim.


Antigo residente de Azeroth, mudou-se para o mundo real para poder escrever sobre as coisas que o apaixonam. Desconfia-se sonhar ser super-vilão. Podes segui-lo em @Darthyo.

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