Raised By Wolves – Análise

Aviso: Embora tente ao máximo não revelar a história da série, esta análise contém spoilers para a primeira temporada de Raised By Wolves.


O nome Ridley Scott há muito que se tornou em sinónimo de ficção científica de qualidade, tendo assinado uma das mais icónicas franquias do género, Alien. Convém também não esquecer os outros filmes notáveis em que esteve envolvido, como Blade Runner e a sua sequela ou The Martian. Embora apenas tenha realizado apenas os dois primeiros episódios de Raised By Wolves, é o produtor executivo da série, que se torna inalienável do estilo e dos temas a que o realizador há nos habituou.

É fácil encontrar semelhanças entre Raised By Wolves, Prometheus ou Alien: Covenant, dois dos mais recentes filmes de Scott. Planetas desertos e hostis, com vestígios misteriosos de vida, andróides extremamente avançados, uma procura pelo significado da vida ou de um novo começo e claro, alienígenas. À pergunta “estamos sozinhos no universo?”, Scott torna qualquer reposta igualmente aterradora.

Raised By Wolves tem no papel principal uma dupla de andróides que tem como missão criar os últimos descendentes da humanidade no planeta Kepler-22b, depois da destruição do planeta Terra numa guerra que opôs ateus e fanáticos religiosos. A premissa é simples, no entanto, ao longo da primeira temporada, a série levanta uma série de questões e mistérios que se adensam progressivamente, sem nunca apresentar uma resposta clara e imediata.

À pergunta “estamos sozinhos no universo?”, Scott torna qualquer reposta aterradora…

Amanda Collin e Abubakar Salim desempenham o papel dos andróides Mãe e Pai, respetivamente, numa performance que enche o olho, dançando na ténue linha que separa o calor e a emoção humana dos gestos frios e calculistas de um robô. O destaque vai para Collin, personagem central na série, que se assume como uma das lides mais fascinantes numa produção de ficção científica, lembrando Ellen Ripley de Sigourney Weaver. Com um instinto maternal feroz e poderes devastadores, Collin contrasta momentos de agressividade e ternura com uma fluidez incrível.

Ao longo de 10 episódios as tensões entre o par são evidentes, como se tratassem de um casal real. Embora máquinas, foram criados para se assemelharem a humanos, sentir como eles: há momentos de desconfiança, ciúmes, traição e dor, sentimentos espelhados pelo par que os opõe, Marcus e Sue. Totalmente humanos, o casal de sobreviventes também trava uma luta pela sobrevivência do seu filho no inóspito planeta.

Mesmo nos melhores dias, Kepler-22b é um local desolador, sem cor e incrivelmente opressivo, entre montanhas, desertos e florestas sem vida. No departamento cinematográfico, Raised By Wolves não é nada menos que brilhante, algo que não é de todo inesperado, considerando o envolvimento de Ridley Scott.

Raised by Wolves mergulha na temática da religião e criação, sempre intimamente ligada à maternidade. A criação mistura-se com a criadora, numa história com paralelismos ao conto de Adão e Eva, desta vez num cenário distópico.

A criação mistura-se com a criadora, numa história com paralelismos a Adão e Eva…

O ritmo do enredo nem sempre é constante, com alguns momentos em que abranda consideravelmente, pautado por confrontos entre as forças que habitam Kepler-22b e pelo complexo novelo de mistérios tecido a cada episódio, criando uma série de questões que me deixaram pregado à cadeira, sempre à espera de uma resposta que decifrasse todas as dúvidas.

A reta final de qualquer série é muitas vezes o seu momento de coroação ou capitulação. Que o digam os fãs de Lost ou “Game Of Thrones”, que certamente saíram desiludidos no final das produções. No episódio final da décima temporada de Raised By Wolves não fiquei com um sentimento de conclusão, muito pelo contrário – as questões multiplicaram-se exponencialmente com a introdução de novos elementos a um ritmo alucinante, tornando o episódio num gigantesco cliffhanger.

Chegando ao último episódio é difícil manter na mesma linha de exploração vaga sobre as temáticas exploradas na série. Numa questão de minutos são apresentados uma série de mistérios e perguntas que preparam a inevitável segunda temporada, sem ser apresentada uma resposta para as que já pairavam no ar. São coisa que tocam mais profundamente no terreno dos spoilers, se preferem avançar para a temporada de forma imaculada, convidamos-vos a saltar o quadro seguinte.

Sinto que as respostas a todas as perguntas colocadas na catadupa final serão a chave para o sucesso ou falhanço de Raised By Wolves. A qualidade cinematográfica é evidente, com uma equipa talentosa liderada por um ícone da ficção científica. Agora é esperar pelo futuro, na esperança que a série não se abata sobre si mesma, sobrecarregada por um enredo complicado, com muitas perguntas e poucas respostas.

A primeira temporada de Raised By Wolves é uma das melhores produções de ficção científica dos últimos tempos, ou não tivesse no leme Ridley Scott, uma lenda do género. Ao longo das 10 horas da primeira temporada, são levantadas muitas questões, turvando a nossa perceção sobre o que está certo e errado, quem são os heróis e os vilões, sem que seja dada uma resposta direta e evidente.

Share