Mulan – Análise

Todos temos aquele filme (ou uma lista deles) que nos deixa com a sensação de termos sido os únicos a não o ter visto. Para mim, Mulan foi um desses filmes. Não sei bem a razão, era ávido consumidor dos filmes da Disney, mas estava limitado ao que me era oferecido e ao que via na TV.

Aproveitei esse “azar” e decidi usá-lo para uma experiência: ver primeiro a adaptação live-action e só depois ver o filme original. Algo raro de se conseguir no que toca a adaptações deste tipo. Geralmente o original já foi visto há muito tempo e depois a adaptação é sempre vista com os inevitáveis óculos de nostalgia, o que pode distorcer um bocadinho a verdadeira qualidade da adaptação.

Assim sendo, na primeira parte do artigo falarei de Mulan 2020 apenas enquanto filme e, na segunda parte, falarei dele enquanto adaptação.

Não vi Mulan 1998, nem tenho intenções. Vale a pena ver o Mulan 2020?

Para além de não conhecer nada sobre a história da Mulan, também não vi o trailer da adaptação e só conhecia um dos posters promocionais. Entrei no filme “às cegas” e sem qualquer tipo de expectativa. Sempre acompanhado do meu otimismo incurável à procura de um live-action que funcione.

Mulan abre com aquela sequência clássica de filme asiático de artes marciais: uma voz sábia a narrar os grandes feitos de uma jovem mulher, enquanto vemos alguém a praticar artes marciais em slowmotion. Tudo bem até aqui. Um standard setup que não me incomoda e até me deixou entusiasmado para ver mais.

No entanto, a sequência seguinte destrói logo as esperanças. Quem viu certamente já sabe do que falo. O filme começa com a Mulan em criança a criar um grande alvoroço na pequena vila, porque está atrás de uma galinha para a guardar no galinheiro. A sequência podia ser leve e cumprir na mesma o propósito de caracterização da Mulan, mas fá-lo através de uma edição cheia de cortes rápidos e alucinantes quase como se estivéssemos a ver filmes de ação como Missão Impossível ou Velocidade Furiosa. A cereja no topo do bolo desta cena é quando vemos a Mulan a fazer uma peripécia de cambalhotas do topo de um edifício até ao chão (passa os olhos no início do filme só para conheceres esta cena, não te vais arrepender), executada com uma pobre animação e efeitos especiais que me fizeram gargalhar sem intenção. Pouco mais de dois minutos de filme e já perdi a imersão… e, com ela, o otimismo.

A boa notícia é que o pior do filme já passou. Não sei se por terem colocado a barra da qualidade tão baixo logo no início, ou se por mérito próprio, as restantes cenas de ação estão bem conseguidas e mesmo a edição acalmou o ritmo. Esquecendo este início, que parecia estar a estabelecer um filme horrível, até se comporta bem a diferentes níveis: bonita cinematografia, cenários e guarda-roupa interessantes e coreografias de artes-marciais cativantes.

A essência de filme genérico não desaparece, mas sempre que estamos a ver sequências de treino ou de luta, estamos bem entregues. Da história, para já, importa apenas saber que tem um tratamento genérico, sem grande profundidade, e que é competente o suficiente para as cenas de artes-marciais funcionarem como entretenimento.

No caso de não teres qualquer intenção de ver a versão de 1998, e te apetecer ver um filme de artes marciais com aquela qualidade de filme de domingo à tarde, ou seja, sequências de ação competentes acompanhadas de uma história pouco memorável, não vejo porque não ver o filme. Não ofende ninguém e é bom quando não há diálogos.

Por outro lado, se o tencionas ver à espera de um bom, robusto, sólido e profundo filme de artes marciais, então não vejas. Em alternativa vou-te deixar com algumas escolhas melhores que certamente serão bem mais merecedoras do teu tempo e enriquecedoras da tua filmografia. Enquanto as recomendo, aproveito para falar um pouco do elenco especialmente dos dois senhores que conheço bem e que foram sub-usados: Jet Li e Donnie Yen.

Jet Li interpreta o Imperador da China, e, apesar de ser sempre um deleite vê-lo, não lhe deram nenhuma cena de ação, o que me leva a crer que foi apenas escolhido pela sua notoriedade e por ser um ator asiático que fala inglês (pormenor importante para americanos). Isto foi outro detalhe que me deixou mesmo de pé atrás. Um filme composto inteiramente por atores asiáticos, situado na China antiga, mas falam todos inglês? Jarring. Mas bem, de volta ao assunto, do Jet Li recomendo The One se te apetecer um filme bom apenas para entretenimento e o Fearless para algo mais sério.


Continua…

Share