Lost Judgment – Análise

O estúdio Ryu Ga Gotoku há muito que consolidou a sua reputação com a excelente franquia Yakuza, através de inúmeros jogos e spinoffs. A justaposição do submundo criminal japonês com enredos dramáticos e momentos de humor ridículo é o maior cartão de visita do estúdio, numa fórmula que foi sendo aprimorada a cada iteração.

Lost Judgment faz parte do lote mais sério e focado na ação dessa fórmula, algo já publicamente assumido pelo estúdio, depois do lançamento de Yakuza: Like a Dragon. Os próximos lançamentos de Yakuza irão assumir um formato de RPG clássico com combates por turnos, enquanto que a ação e investigação mais profunda fica reservada para Judgment.

Por profunda, diga-se de passagem, que estou a falar de água até ao joelho. Embora o jogo tenha, supostamente, maior ênfase nas investigações, a verdade é que em parte alguma as mecânicas chegam a ser minimamente desafiantes e na grande maioria das vezes, descobrir provas é uma tarefa insípida e demasiado fácil.

A escola do mundo é dura

O detetive Takayuki Yagami regressa à ação para investigar aquilo que parece ser um simples caso de bullying no liceu local. Ao mesmo tempo, é descoberto um corpo em decomposição num edifício abandonado no distrito de Ijincho e o caso começa a ganhar outros contornos, bem mais macabros e sérios. Lost Judgment nunca se acanha de enfrentar temas sociais difíceis, como o assédio, o suicídio e as consequências devastadoras do bullying. Caminhar por este caminho é difícil, são temas extremamente complexos de encarar e desconstruir e embora Lost Judgment consiga um trabalho assinalável, nem sempre o faz da forma mais elegante.

Para equilibrar o lado mais pesado da narrativa principal, não faltam momentos leves e animados, que podiam fazer parte de qualquer filme de Bad Boys, Rush Hour ou Shangai Noon. As interações entre Yagami e o resto do elenco são deliciosas, recheadas de cumplicidade e genuinamente divertidas, muito graças ao excelente trabalho dos atores que lhes dão vida. Embora seja impossível não recomendar jogar Lost Judgment ou qualquer título de Yakuza com as suas vozes originais, a verdade é que o trabalho de dobragem está tão bem feito, que no final de contas acaba por ser uma questão de gosto pessoal.

Tanto para fazer, tão pouco tempo

A história de Lost Judgment não se finda na sua narrativa central. De facto, há uma quantidade surpreendente de ‘side-quests’ para descobrir, mesmo para um jogo do estúdio Ryu Ga Gotoku, e são incrivelmente divertidas. Passei horas a fio a tentar ajudar os vários clubes do liceu de Ijincho, cada um deles com minijogos bastante criativos e em alguns casos profundos. Ao longo destas investigações, usamos várias ferramentas e gadgets para resolver os casos, desde os nossos poderes de dedução, a detetores de câmaras ou microfones de longa distância. Pelo meio, também temos segmentos de infiltração, parkour e perseguição, que ajudam a dar um sabor distinto ao jogo, mas que pecam por serem demasiado simplistas em muitos casos.

Claro que participar em todos os minijogos e sidequests de Lost Judgment acarreta um preço – O ritmo da narrativa principal torna-se algo lento e perde urgência, mas a qualidade do conteúdo opcional justifica a escolha e merece o nosso tempo. Só é uma pena que o estúdio não tenha investido mais um pouco nestas atividades, que na sua maior parte não têm linhas de diálogo falado – mereciam!

As sidequests não estão todas centralizadas no liceu e não faltam razões para explorar o distrito de Ichinjo, que brilha especialmente à noite e ainda mais no modo de gráficos melhorados, ainda que à custa de uma framerate superior. Os gráficos de Lost Judgment são a melhoria mais notável face ao antecessor e há algo de mágico em passear à noite nas ruas movimentadas, com paredes pintadas em tons de néon. Há muito para ver e para ajudar à exploração podemos usar um skate para explorar a cidade, qual Rodney Mullen, ainda que sem os seus truques icónicos. Embora um pouco atabalhoado ao início devido aos seus controlos, sempre é uma ajuda.

Tigres, Cobras, Grous e carne para canhão.

Claro que passear numa cidade recheada de criminosos e delinquentes tem os seus perigos, mas não faltam ferramentas para tratar da saúde a quem ousa enfrentar Yagami, que aprendeu um novo estilo de luta desde o último jogo. Agora, temos acesso a três estilos de luta e cada um deles é indicado para diferentes situações. O Crane é altamente evasivo e tem ataques de área, tornando-se uma boa escolha para lidar com vários inimigos ao mesmo tempo; O Tiger tem ataques mais fortes e destrutivos, e é ideal para combates mano-a-mano; e finalmente o Snake, que é o novo estilo, ideal para contra-ataques e para enfrentar oponentes armados.

Há medida que vamos derrotando inimigos, progredindo na história e participando nos vários minijogos, recebemos SP, que podemos trocar por novos ataques para o nosso arsenal, ou por outras melhorias, como mais pontos de vida, um maior poder de ataque ou maior resistência ao álcool. Fundamentalmente, estas melhorias tornam Yagami mais forte, o que acaba por tornar o jogo progressivamente mais fácil no que toca ao combate, chegando ao ponto de trivializar os combates de rua.

Não há grande variedade nos inimigos que encontramos ao longo da aventura – na sua maioria diferem apenas no aspeto: ora são estudantes fardados, ou membros de gangue cuja única diferença é a roupa e contam quase sempre com os mesmos padrões de ataque. É uma pena, especialmente se olharmos para trás e nos lembrarmos dos coloridos inimigos que o estúdio apresentou em Like a Dragon. Ainda que o sistema de combate de Lost Judgement seja robusto e extremamente divertido – com ‘finishers’ particularmente brilhantes – a grande maioria dos inimigos que encontramos nunca está à altura da sua riqueza e complexidade.

Felizmente, e para quem gosta de desafios, salvam-se os vários bosses, que sempre me colocaram à prova. Confesso que fui apanhado desprevenido pelo primeiro, cuja dificuldade é gigante relativamente às centenas de capangas e adolescentes malcomportados que espanquei sem piedade até ali. Depois de algumas tentativas goradas, tive mesmo de chegar a cadeira para a frente e esforçar-me um pouco mais para derrotá-lo, com contra-ataques perfeitos e uso liberal de mesas, cadeiras e cones de sinalização como arma.

Lost Judgement é mais do mesmo, o que não é particularmente uma coisa má. Embora apresente melhorias face ao jogo anterior, mantém-se demasiado fiel a uma fórmula com uma base sólida e muito espaço para melhorar, especialmente na componente investigativa. Ainda assim, não deixa de ser uma experiência divertida, especialmente para os fãs do primeiro jogo.

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