Arcane, do Netflix – Análise

Em outubro de 2019, a Riot Games declarou ao mundo a intenção e ambição de ser algo mais do que o estúdio criador de League of Legends, ciente do universo que construíram ao longo da última década e daquilo que esse tem para oferecer.

Desde então vimos uma forte aposta na música, uma expansão do leque de jogos Riot e uma surpreendente abertura à sua propriedade, dando oportunidade a outros estúdios de criarem e desenvolverem a sua própria visão de Runeterra. Tudo isto tem ajudado a moldar aquilo que a Riot Games é, desapegando-se do rótulo passado, mas nada se equipara ao que Arcane trouxe a uma indústria na qual se estreou.

A relação entre Powder (Jinx) e Violet (Vi) conduz o plano narrativo principal de forma vencedora…

Arcane começa com uma história de origem violenta, real e emotiva, que nos faz agarrar de imediato a um mundo desconhecido à maioria. A relação entre Powder (Jinx) e Violet (Vi) conduz o plano narrativo principal de forma vencedora, trazendo à tona os problemas e desafios daquilo que é viver nos subúrbios de uma cidade que representa o auge tecnológico. As intrigas, os esquemas e poluição contrastam com o que se vive à superfície de Piltover, que no final de contas, não difere assim tanto de Zaun.

A divisão entre as duas regiões torna-se menos evidente há medida que a história progride e vemos o cruzamento de inúmeras personagens e dos seus respetivos contos. Silco e Jinx, Vi e Caitlyn, Jayce e Viktor, duplas que se vão reorganizando e que elevam tudo aquilo que vemos, com interpretações brilhantes e verdadeiras, ligando-nos de imediato aos intervenientes, mesmo aqueles que imaginávamos não ter interesse.

A Riot Games fez algo que considerava impossível para uma série do género. Não consigo apontar falhas em interpretações, nem sequer definir qual a personagem que mais gostei em toda a temporada. Os tresloucados risos de Jinx, que escondem uma eterna angústia, a força bruta que Vi se obriga a usar para não demonstrar fraqueza, a vilania de Silco com a qual, estranhamente, nos identificamos, tudo tem um motivo, tudo é justificado e acima de tudo, ninguém é esquecido, com os holofotes e tempo merecido dedicado a cada personagem.

Foram demasiadas as vezes em que contive as lágrimas, que acabei boquiaberto…

Muito deste sentimento passa pela animação, com a Fortiche a demonstrar tudo aquilo que é capaz, revelando criatividade e qualidade como há muito não se via. Os subtis olhares e toques ecoam a emoção e aquilo que cada personagem está a sentir, imergindo-nos na mensagem e sentimento que a Riot Games quer passar com cada diálogo e movimento. Foram demasiadas as vezes em que contive as lágrimas, que acabei boquiaberto, no lugar de cada interveniente como se fosse eu a vivenciar aquilo que lhes estava a acontecer.

As cenas de combate abraçam a violência sem receios de exibir sangue e sofrimento, uma abordagem que contraria a tendência de Hollywood em suavizar o tom sacrificando a fonte, como acontece em Venom, por exemplo. Jamais imaginava que uma série baseada em League of Legends pintasse o ecrã de vermelho, com excelentes coreografias de combate que nos fazem encolher a barriga. Por outro lado, isto não é uma série de LoL e basta ler as biografias e textos de origem de cada personagem para perceber que esta foi a decisão certa a tomar.

A série premeia os fãs de League of Legends com inúmeros easter eggs e referências ao conhecido MOBA, mas também brinca com simbologias próprias que transmitem cuidado e atenção ao detalhe, observado mais claramente na história de origem de Viktor, com o seu pequeno barco de brincar e a sua jornada e transformação ao longo da série com uma cena em particular no cais.

Europa não só é capaz de produzir algo de brilhante no domínio da animação, como tem poder para marcar uma nova meta na indústria.

O estúdio francês mostra que a Europa não só é capaz de produzir algo de brilhante no domínio da animação, como tem poder para marcar uma nova meta na indústria. A variedade de cenas e estilos presentes em Arcane espantam, com as mais marcantes cenas a abraçarem um estilo diferente daquele que ocupa grande parte da série, demonstrando a mestria e capacidade da equipa da Fortiche. Os rasgos de cor e variedade de estilos de animação diferem de tudo aquilo que vimos até agora, concedendo a Arcane um legado difícil de superar.

Ao longo da vida vamos assistindo a marcos que moldam a nossa forma de ver as coisas, que definem um novo auge, um novo nível de qualidade que marcamos como exemplo e que desejamos ver replicado. Arcane é agora um desses exemplos, elevando aquilo que foi criado até ao momento na animação, numa revolução semelhante à de Spider-Man: Into the Spider-Verse. A animação ocupa uma parte integral daquilo que é Arcane, mas não é o único fator que alimenta e dita a sua qualidade. Da atenção e amor demonstrado em cada personagem, à intrínseca história conduzida por composições musicais viciantes e ao mundo que ocupam, unem-se para formar a melhor animação de que tenho memória. Estou certo que daqui em diante, existirá um antes e depois de Arcane, a série que é mais que League of Legends.

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