Circus Electrique – Análise

Circus Electrique é um RPG tático, que se tivesse de descrever em apenas um punhado de palavras, seria algo como “Darkest Dungeon com palhaços e mais seguro para a sanidade mental.” Ainda que não deixe de ser uma descrição simplista que não aborda os restantes elementos do jogo, seria a descrição que eu escolheria, caso me faltasse o espaço para escrever.

Felizmente, o que não falta aqui é espaço, e Circus Electrique é bem mais do que um clone de Darkest Dungeon, embora seja inegável a influência deste icónico RPG tático.

Circus Electrique é desenvolvido pelo estúdio Zen Studios, em parceria com a Saber Interactive. Curiosamente, o estúdio é conhecido pelos seus jogos de Pinball e a verdade é que não se escaparam nada mal nesta criação de um mundo vitoriano Steampunk, que serva de âncora temática para todos os elementos do jogo, desde a história, gráficos, interface visual e mecânicas de combate. A direção artística do jogo é um dos seus pontos mais fortes, mas é também aqui que têm origem alguns dos seus espinhos. Mas vamos por partes.

Em Circus Eletrique é contada a história de Amelia, uma jovem jornalista que cobre a reabertura do circo do seu tio, acompanhada de um fiel leão de estimação. O relacionamento entre os dois é tenso – na melhor das hipóteses – depois da morte da mãe de Amelia num acidente de circo e que levou ao encerramento do circo. Poucos momentos depois da abertura do circo, esta versão alternativa de Londres é mergulhada no caos, com os seus habitantes a tornarem-se em criaturas violentas, sedentas de sangue. Por alguma razão – que obviamente iremos desvendar ao longo da campanha do jogo – apenas os artistas do nosso circo se escaparam a este fenómeno e como tal, cabe-nos investigar o que levou a esta loucura, conhecida como The Maddening.

O circo chegou à cidade

Depois de uma breve introdução, entramos em combate contra um grupo de polícias da era vitoriana, com os seus bastões, apitos e chapéus redondos altos e claro, uma espécie de uniciclo motorizado, ou não fosse Circus Eletrique um jogo que transpira estilo, com a sua sempre presente estética Vitoriana-Steampunk.

Quem já jogou Darkest Dungeon antes vai-se sentir em casa neste circo. Os combates são travados por turnos, entre equipas de até 4 elementos. A posição dos lutadores é fulcral e determina quais as habilidades que vão poder usar. Há várias classes à escolha, todas elas naturalmente inspiradas em artistas circenses e deliciosamente representadas: Temos os clássicos homens musculados, com o seu haltere de bolas redondas, capazes de infligir bastante dano e de levar porrada; os palhaços tristes, que curam os seus colegas com o poder do riso e atacam os inimigos com bolas; mágicos capazes de conjurar lâminas etéreas; faquires que se tornam mais fortes quando recebem dano ou cuspidoras de fogo capazes de incinerar vários inimigos de uma só vez.

O mesmo pode ser dito dos inimigos, que assumem a forma de típicos habitantes londrinos da época. Temos os já mencionados polícias, senhoras da alta sociedade com sombrinhas mecanizadas, padeiras que trazem fornos portáteis, marinheiros com canhões ou caçadores de ratos. Todos eles têm ataques temáticos, relacionados com a sua classe, animados de forma sublime, o que ajuda a tornar o combate divertido.

Como não poderia deixar de ser, o combate é profundo e as diferentes classes permitem imensas combinações, sinergias e táticas, algo que não podia faltar num jogo do género. Para além dos pontos de vida, os personagens também têm Devoção, que pode ser comparado a algo como pontos de magia ou sanidade de outros jogos. Se a devoção for alta, os personagens e os inimigos ganham bónus e ficam mais fortes. Se estiver baixa, os personagens ficam mais fracos e podem abandonar o circo para sempre. Algumas habilidades custam Devoção, outras removem Devoção e há aqui uma avenida estratégica para os jogadores gerirem no combate e não só, pois este recurso também é extremamente útil noutro aspeto central de Circus Electrique.

Acabou a palhaçada! Os Palhaços são unidades de suporte, peritos em Buffs e Debuffs.

O combate é complexo e pode ser ser uma barreira para os novatos do género. Para ajudar nisto, há três modos de dificuldade e devo dizer que no modo normal senti que as coisas foram justas e relativamente acessíveis até à terceira zona do jogo, onde fui forçado a ter muito mais cuidado face aos adversários. Na verdade, a maior dificuldade que encontrei foi com a interface visual do jogo, que segue à letra a estética Steampunk e que muitas vezes é pesada e pouco não muito intuitiva.

E a cidade foi ao circo

Para além de gerir os artistas nos combates, também temos de os gerir nos espetáculos que organizamos todos os dias. Cada batalha corresponde a um dia no jogo, e como se costuma dizer, o espetáculo não pode parar.

Aqui temos o outro grande elemento diferenciador de Circus Electrique – a gestão do circo. Cada dia temos que organizar um espetáculo, escolhendo o tipo de atuação e os artistas que participam nele. Aqui há uma série de outros elementos a ter em consideração, neste caso a compatibilidade entre os vários artistas, a sua preferência de posição e os seus atributos de entretenimento. Quanto melhor forem estes parâmetros, melhor serão as recompensas do espetáculo, o que por sua vez se traduz em mais dinheiro, recursos e experiência para os artistas.

É essencial escolher os melhores artistas para as posições certas.

O circo também conta com vários edifícios de suporte, como uma tenda hospitalar, para recuperar a vida e devoção dos artistas, um comboio para recrutar novos artistas ou uma tenda de treino, para enumerar alguns exemplos. Com um espaço limitado para os nossos artistas, somos forçados a gerir a nossa equipa em duas frentes, tendo sempre de ter em consideração vários aspetos.

Será que devo mandar o meu melhor palhaço para a próxima batalha, ou guardá-lo para o espetáculo que organizei? Arrisco colocar na linha da frente o meu Homem-Forte, que ainda não recuperou a 100% da última luta, ou tento criar uma nova estratégia para proteger a minha cuspidora de fogo, frágil mas capaz de infligir imenso dano em apenas um ataque?

Lume brando

Circus Eletrique combina de forma bem interessante a gestão do combate com a gestão do circo. A complexidade fica nas lutas, enquanto que no lado do circo, as escolhas são bem mais simples e intuitivas.

Estas duas vertentes são embrulhadas num sistema de exploração de níveis bastante similar ao que já vimos em muitos roguelikes. Em cada uma das zonas temos vários caminhos que podemos escolher, cada um deles com diferentes tipos de combates, mistérios ou mini-jogos. Uma vez escolhida uma rota, não podemos voltar atrás e é aí que começa o nosso grande jogo de gestão, onde fazemos contas ao caminho que melhor se adapta à nossa estratégia.

O menu de exploração. Como fica evidente, a UI ocupa uma parte considerável do ecrã.

A progressão no jogo está diretamente ligada à exploração, o que se traduz numa espécie de lume brando. É preciso algum tempo para desbloquear novas unidades, e até mesmo os upgrades ao circo exigem algum investimento, portanto não esperam ter acesso a todos os elementos nas primeiras horas de jogo. E já que estou a falar de tempo de jogo, quem quiser investir um pouco mais do seu tempo, pode revisitar as áreas já visitadas, de forma a lutar com inimigos mais fortes e receber mais recompensas – isto se tiverem o item necessário para voltar a abrir as zonas.

Tudo considerado, Circus Eletrique apresenta um ato de malabarismo bastante sólido, onde a sua excelente apresentação ilumina os outros aspetos que tenta manter no ar. O alcança um equilíbrio respeitável entre o combate e gestão, mesmo quando organizar diariamente se tende a tornar numa tarefa algo pesada e repetitiva. Para quem está à procura de um RPG de combate por turnos para se entreter, tem aqui uma boa escolha, que enche o olho com um estilo invulgar e bem conseguido.

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