À conversa com Diogo Morgado, Týr em God of War Ragnarok

Já foi Jesus, já procurou Vingança e hoje é realizador e streamer, além de ator. Diogo Morgado dá voz a Týr, o Deus da Guerra da mitologia nórdica, em God of War Ragnarök. Tyr parece ser simetricamente oposto a Kratos enquanto deus, mas Diogo não deixa de ter uma certa simpatia pelo protagonista da franquia.

No evento de lançamento de God of War Ragnarök, na Cidadela de Cascais, a IGN Portugal falou com o ator português sobre o jogo, a sua importância e uma ou outra mitologia por onde Kratos se poderia aventurar.


Já tiveste a oportunidade de jogar God of War Ragnarök?

Ainda não joguei, mas é com grande antecipação que procurei nem ter spoilers. Porque hoje durante o dia todo houve aquelas reviews, malta a jogar na Twitch e no YouTube e procurei não ter qualquer tipo de spoiler porque estou ansioso por esta saga. É uma saga que já tem muitos anos, em 2018 foi Jogo do Ano. Eu joguei por duas vezes e é com grande antecipação que se espera que este Ragnarök ainda suplante aquele que foi 2018.

Estamos a falar de uma franquia que começou em 2005. Acompanhas God of War desde o seu início?

É interessante ver a evolução dos videojogos em geral, pegando no God of War em particular. Os primeiros GoW que saíram eram todos muito virados para a violência, eram muito rápidos, mas ao mesmo tempo havia já uma mitologia e uma história que agora só tem vindo a crescer, e é muito interessante agora. Em 2018, o jogo cresceu de uma forma absurda no sentido fílmico, tornou-se muito mais cinematográfico, tornou-se num Kratos que já é um resultado de todas as suas experiências passadas.

Mesmo aqueles que não conheciam a saga do Kratos para trás ficaram a conhecer em 2018 um pai que não é convencional, um pai que tem problemas na sua identidade, e houve uma grande curiosidade, pelos novos jogadores de God of War, de explorar aquilo que foi a saga GoW nos primeiros jogos da PlayStation. Para mim, foi interessante ver uma evolução natural, não só no GoW mas em todos os jogos, na componente fílmica de história. Acho que, hoje em dia, um bom jogador procura uma boa história.

Kratos também mudou muito ao longo dos anos. Como é que olhas para estas transformações no protagonista?

O que eu acho interessante na história que nos é contada em 2018 é de que nada daquilo que é o passado deve refletir aquilo que somos hoje. Muito daquilo que identificou os jogadores à figura do Kratos e à história do God of War. Foi essa analogia de “não há que ter vergonha de assumir o passado com todas as suas virtudes e todas as suas falhas”. Acho que qualquer ser humano se identifica com isso. A forma como isso se refletiu na educação do Atreus, que é o filho do Kratos, é muito interessante e criou uma identificação muito grande com o jogador. Nunca imaginei que o Kratos com que joguei nos primeiros jogos da PlayStation se transformasse, nesta história que está a tomar proporções épicas.


AVISO: Spoilers ligeiros para God of War Ragnarök


Qual é a tua personagem favorita em God of War?

Sou suspeito, porque em toda a mitologia se falou muito do Týr, e eu confesso que compreendo e tenho uma afinidade muito grande com o Týr, por variadíssimas razões. Acho que às vezes a obra do destino encarrega-se de pôr as coisas nos sítios certos. O Týr também foi um Deus da Guerra, só que é um Deus da Guerra que, devido a algo que fez, que foi basicamente dizimar um certo povo, não conseguiu processar essa consequência dos seus atos e vive basicamente numa existência quase nula.

E é nesta saga, em que o Kratos vai em busca do Týr, que é interessante ver estes dois lados, que é um Kratos com sede de vingança e ainda com muito daquele Kratos deus da guerra que nós conhecemos e um outro deus da guerra que já atravessou o rio e está numa posição diferente, de apaziguamento. Diria que tem uma sabedoria que vem com os tempos, que faz dele uma personagem muito interessante e muito complexa, e se calhar, por ironia do destino ou não, acabei por encaixar na personagem com que me identifico.

  Diogo Morgado dá voz a Týr na versão portuguesa de God of War Ragnarök.

Quando estava a dobrar o jogo, sentia as palavras do Týr como quase minhas, em certas analogias que ele fazia com o Kratos. Porque, se por um lado nos identificamos com o Kratos pela sede de vingança pela morte da mulher e tudo mais, na navegação daquilo que é ser um pai de um semi-deus, é interessante ver todas estas histórias cruzadas, parecidas connosco. Contêm elementos com que nos conseguimos identificar.

Vemos a tua personagem, Týr, numa posição muito frágil. O que podemos esperar deste Deus da Guerra?

Está preso, mas é uma espécie de uma purga em que ele próprio se colocou. Ele vive de tal forma amargurado com o seu passado, com aquilo que fez, que tudo aquilo que advenha dessa ação em jeito de castigo, ele abraça. Não é só que ele esteja numa situação fragilizada. Ele próprio é um Deus da Guerra fragilizado. Não pelas condições, mas porque ele próprio assim se colocou. Isso é que é interessante: ver como dois deuses da guerra se encontram e como é que, em conjunto, vão conseguir uma missão. Ao longo do jogo, vamos vendo discussões, de como o Týr de alguma forma tenta trazer um pouco da sua vivência para o Kratos.

No mundo em que vivemos, as coisas estão muito bipolares, estão muito radicais. Se não concordas comigo, só podes estar contra mim. E vivemos nesse mundo hoje. É um mundo que me assusta imenso. É interessante a forma como o jogo consegue pôr duas posições tão extremas e tão diferentes uma da outra a dialogarem, a conversarem, a trocarem experiências. Até um videojogo pode ser responsável por trazer uma conversa e um diálogo para a mesa na sociedade, que se calhar as outras plataformas não conseguem.

Que outros jogos trazem este tipo de conversa?

Há jogos, como a saga Assassin’s Creed, que têm toda uma componente histórica e didática e pedagógica, e é interessante ver que não é a comunidade de gaming que impõe isso aos desenvolvedores. São os próprios desenvolvedores que puxam a si a responsabilidade de dizer ‘isto pode ser entretenimento, mas também pode ser didático’.

Acho que, hoje em dia, o jogador já não é aquele que procura, num jogo, passar só umas horas. Não é só entreter. Quer ficar submerso numa experiência que projeta como sendo quase sua, e portanto a história do jogo é uma componente crucial para que isso aconteça. É interessante ver, para mim que jogo desde sempre, quando os jogos ainda eram postos em cassetes, como a componente das histórias e do envolvimento com as personagens toca tão profundo no jogador independentemente do gameplay ou da forma que o jogo possa ter. Isso para mim é uma coisa que, como contador de histórias, ator, realizador, é muito próxima, e é muito interessante ver que há uma tentativa, dentro do mundo gaming, de também trazer questões interessantes à sociedade, ter jogos que tenham uma componente didática, mesmo que seja no meio da loucura, num título chamado God of War.

Que tipo de jogador é Diogo Morgado?

Sou um explorador. Gosto de um mundo aberto, gosto de escolher para onde vou e ir espreitar como é aquele canto daquela cidade e o que é que está por trás daquele prédio. São os jogos de que mais gosto. São jogos ao género do Horizon Forbidden West ou o anterior, mas depois também há The Last of Us. Jogos que, não sendo mundo aberto, são claramente de uma componente histórica e que carregam nas personagens o sucesso do jogo. Se formos a ver, muitos foram os jogos que, na sua mecânica, foram parecidos com The Last of Us, mas é a história daquelas duas personagens que faz o The Last of Us ser o The Last of Us. Há muitas semelhanças entre o Days Gone e o TLOU, a nível da mecânica (tirando a mota), mas é a construção das personagens e a evolução que a história tem em cima das personagens que nos faz sentir-nos mais ligados àquele mundo. Diria que gosto de jogos de puzzle. Uma das componentes do Uncharted de que gosto muito são aqueles riddles. Aqui no God of War também há alguns, mas não tanto como no Uncharted.

God of War já visitou a mitologia grega e nórdica. Há alguma mitologia que gostavas de ver explorada na franquia?

Falámos há pouco do Assassin’s Creed Origins, e a mitologia egípcia é uma coisa fascinante e incrível. Por outro lado, se calhar já é muito explorada, portanto não sei até que ponto é que pode ser interessante. Acho que, de alguma forma, a mitologia nórdica e tudo o que foi abordado até agora é uma coisa mais romantizada. Esta coisa dos deuses é um bocado mais romantizada, os conflitos que há entre as histórias dos próprios deuses são muito mais romantizadas e sofridas do que os egípcios, que acabam por ser deuses bem mais distantes de nós. O fosso é muito maior. É uma pergunta que nunca fiz, mas seguramente para onde for há de ir bem.

God of War Ragnarök já está disponível para a PlayStation 5. Podes conferir aqui a nossa análise.


Gonçalo Taborda nasceu a chorar, estudou para falar e viveu a jogar. Foi ele que inventou esta frase e orgulha-se muito disso. Adivinhou a plot twist do SW:KOTOR antes do final da história e chegou a Silver V no LoL, por um dia. Podes segui-lo no Twitter: @OMelhorTaborda

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