Amnesia: The Bunker – Análise

Em 2010 o universo de terror/horror mudou por completo com a chegada do primeiro Amnesia (The Dark Descent). O que é certo é que já se passou mais de uma década, e a Frictional Games já lançou mais três experiências aterrorizantes, e provou a toda a gente que é possível manter a consistência quando se trata de grandes lançamentos. A Machine Pigs, Rebirth, e agora The Bunker, reiteram o posicionamento de Amnesia, com a produtora a contar histórias marcantes sobre pessoas com ataques de esquecimento ou lapsos de memória, que aumentam o ritmo cardíaco dos jogadores e provocam respirações exasperadas.

Amnesia: The Bunker é a prova viva de que a Frictional Games sofre de tudo, menos de amnésia, e detendo a fórmula para o sucesso, acaba por usá-la novamente, sem dó nem piedade. Vou começar por tirar o elefante da sala, e afirmar que The Bunker é, sem dúvida, o melhor Amnesia até aos dias de hoje, ainda que The Dark Descent continue a ser o melhor ponto de partida que a franquia teve.

Existem alguns fatores que fazem deste The Bunker a melhor experiência até agora, sendo que o primeiro é a história que serve como pano de fundo. Amnesia: The Bunker não tem terror gratuito, estupidificado ou descontextualizado, como em alguns momentos dos antecessores. A Frictional Games decidiu que, desta vez, o terror vai ser transmitido por um conteúdo real e relacionável.

Terror real

A estratégia para desenvolver um bom jogo de terror pode parecer óbvia, mas a verdade é que pode tornar-se altamente volátil. Sustos, massacres, espiritualismos – são elementos chave, mas não são a chave mestra e Amnesia: The Bunker explica-nos isso na perfeição. Diria até que este é o mais bem executado, não só porque tem a vantagem de apresentar um grafismo que faz jus à atual era tecnológica, mas porque é aquele cujo ambiente se aproxima mais da vida real – o que nos transmite, inatamente, medo.

A história é cíclica, e isso é refletido nos períodos reais de guerra constantes. Atualmente, existem inúmeros conflitos ativos espalhados pelo mundo, como é o caso dos conflitos armados em Myanmar, o conflito civil etíope, a guerra russo-ucraniana, entre outros. E, de certa forma, a distância física que existe entre nós (Portugal) e estes países, faz com que haja também uma distância emocional sobre os temas. O que quero dizer com isto é que ficamos sempre muito chocados com o que vemos na televisão, alguns são até capazes de ficar deprimidos durante algum tempo, mas voltamos sempre para o conforto do nosso lar, onde não há bombas a explodir ou prédios a desmoronar.

A Frictional Games sabe que esse conforto existe, e através de The Bunker infiltra-se nele, com o objetivo claro de nos fazer sentir na pele uma aproximação ao desespero, medo, ansiedade e pânico que associamos à guerra. Os soldados são figuras representativas e extremamente importantes que servem o propósito de proteger o país e a população. E como o trabalho deles é precisamente dar o corpo às balas, quando são abatidos, aceitamos de forma muito ingénua e imediata o desfecho das suas mortes. Amnesia: The Bunker dá-nos a oportunidade de vestir a pele de Henri Clément, um soldado que está preso e escondido num bunker, em plena 1ª Guerra Mundial. À primeira vista, Henri é um soldado igual aos outros, pelo menos a julgar pelo típico equipamento e roupa militar, mas a Frictional Games quis que olhássemos para ele de uma forma mais humana, sem ser carne para canhão. O conteúdo relacionável começa aqui.

História arrepiante, jogabilidade emocionante

Logo desde início sabemos que The Bunker não tem reservado um final propriamente feliz para Henri, já que das duas uma: ou consegue escapar do bunker e é capturado por soldados alemães, ou morre a tentar sair do bunker, capturado e morto pelo monstro que também habita naquele beco sem saída. Mas sempre ouvi dizer “uma coisa de cada vez”, e é precisamente essa forma de avaliar o perigo que nos faz sentir a resiliência de Henri e a vontade de descobrir uma forma de sair do bunker com vida.

A jogabilidade e a narrativa andam sempre de mãos dadas. Não existe um único objetivo proposto que não seja conduzido pela narrativa e elementos figurativos que realmente importam. Apesar de estar sozinho no bunker, nem sempre foi assim. The Bunker está recheado de documentos e fotografias que nos contam a história de um grupo amigo de militares escondidos naquele preciso bunker – um bunker bem composto com quilómetros de construção, e várias salas com fins distintos.

Este jogo consegue até ser bastante emotivo. Há uma sala em particular que contém os cacifos de todos os colegas de Henri, e à medida que vamos encontrando os corpos ficamos com as chapas militares que contêm os números dos cacifos na parte de trás. Cada cacifo tem objetos fundamentais ou pistas para Henri sair bem-sucedido. Mas andar de sala em sala é o maior desafio em Amnesia: The Bunker. Não, não é só preciso coragem. Precisamos de luz, e para obtê-la temos de apanhar combustível para encher um gerador de energia. Logo desde início, é-nos dado um relógio para que possamos contabilizar o tempo que temos até ao próximo apagão. Além desta gestão, temos também de contabilizar munições, garrafas que vamos encontrando, pedaços de carne ou outros objetos que podem ser distrações perfeitas para afastar a criatura durante algum tempo.

Temos ainda uma espécie de baú onde podemos armazenar alguns recursos, no entanto, não tem muita capacidade, pelo que a gestão de recursos chega a ser insana – tal como seria se se tratasse de uma situação real. No fundo, a ideia que a Frictional Games quis trazer para Amnesia: The Bunker foi a de uma experiência real, onde os jogadores têm de ter cuidado para não fazer barulho, gerir munições, premir o gatilho sem hesitações, remover placas de madeira para desimpedir caminhos, e acima de tudo, gerir as emoções, mesmo quando descobrimos quem é a pessoa que habita no corpo daquela besta sinistra.

O mestre da antecipação do medo

Há quem goste de jogos de terror por causa do medo, e há quem goste devido à antecipação do medo. São coisas distintas que transmitem sensações diferentes, e posso dizer-vos que a franquia Amnesia é perita na antecipação, no entanto, no medo propriamente dito deixa um pouco a desejar. Mas vamos começar pelo ponto forte.

A Frictional Games trabalha a antecipação do medo como nenhuma outra. Amnesia: The Bunker, tal como os antecessores, é perfeito para quem gosta de jumpscares, já que vivemos a experiência de gameplay de forma completamente tensa, na iminência de alguma coisa acontecer quando menos esperamos. Estamos constantemente a antecipar o medo, mesmo quando ainda não aconteceu nada. Mas sabemos que vai acontecer, então avançamos devagarinho, abrimos uma porta com desconfiança, ligamos luzes através de interruptores com os olhos semiabertos, e tantas outras coisas que fazemos instintivamente para nos protegermos do medo. A antecipação do medo mexe com a nossa ansiedade e os maiores aliados de The Bunker são o silêncio e o escuro. Como devem de calcular, num bunker não se passa nada, e a luz é escassa. Todo o ambiente de The Bunker é propício a uma antecipação do medo exímia. Cheguei a ter de fazer algumas pausas para recuperar o fôlego e diminuir o ritmo cardíaco.

Por outro lado, e infelizmente, no confronto com o medo, as coisas já não resultam assim tão bem. O medo propriamente dito acaba por explorar mais a nossa coragem ou frieza para lidar com aquilo que está à nossa frente, e neste caso, estava à espera de mais e melhor. Mais e melhores animações para ser precisa. Depois de estar a sofrer por antecipação, quando finalmente dei de caras com a criatura monstruosa que me perseguia, não achei que fosse assim tão assustadora. Sim, é feia, tem um aspeto desconfigurado e nojento, mas como qualquer outra. Inclusive, uma das vezes que fui capturada, agarrou-me pelas costas e, por isso, o meu campo de visão ficou fortemente afetado. A animação da captura foi completamente tapada, e a face da criatura apareceu de relance no canto superior direito do meu ecrã.

Neste sentido, fica a sensação de que a Frictional Games podia ter feito um pouco mais, até mesmo para ir ao encontro do realismo conseguido com todos os outros aspetos. No fundo, tornaram Henri muito humano, e o monstro pouco monstruoso (ainda que as imagens de promoção do jogo mostrem o contrário).

Poucos, mas alguns erros

Se há género de jogo que sofre no impacto causado devido a erros ou bugs, é o de terror/horror. O silêncio, o som repentino, as portas a abrir ou a fechar misteriosamente, os passos que marcam um ritmo lento de desconfiança, e logo a seguir um acelerado de fuga – todos estes elementos não causam o impacto esperado se houver erros de performance ou bugs que impedem a resolução lógica do desafio ou interrompem a transmissão do medo causado nos jogadores.

A Frictional Games quis certificar-se de que a experiência em The Bunker iria ser absolutamente imersiva e, por isso, com poucas distrações ilógicas. O jogo é bastante direto na ação, e raramente ficamos sem saber para onde ir, ou o que fazer. Durante o gameplay, não me deparei nenhuma vez com momentos que me fizessem questionar as escolhas da produtora, antes pelo contrário. A Frictional Games quis poupar os jogadores da frustração, e talvez poupar Henri de alguns memes, dando-lhe ferramentas e opções que muitas vezes não estão presentes noutros jogos do género.

Mas ainda assim, The Bunker não se livrou dos erros de carregamento de informação. Há certas zonas do bunker cujo acesso é marcado por uns 5 segundos de pausa, em que a imagem a fica completamente parada, com Henri encravado no seu próprio movimento. São erros que não comprometem a experiência propriamente dita, já que acontecem em zonas de transição, mas não deixa de ser percecionado como uma falha evidente que interfere com a consistência da jogabilidade.

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