Diablo IV – Análise

Todos os géneros de videojogos têm o seu estandarte, um título que definiu os pilares sobre os quais se foram desenvolvendo e criando outros tantos jogos. No caso dos ARPGs, ou Hack n’ Slash isométricos, Diablo é a referência maior. O sistema de inventário, o ambiente sombrio e sangrento, o ciclo infinito de dopamina associado ao combate e aos itens – tudo isto tornou-se lugar-comum num género que não consegue largar a influência do passado.

Diablo e Diablo 2 foram referência para tantos outros jogos que se seguiram, como Grim Dawn, Path of Exile, Victor Vran, Warhammer: Chaosbane, The Incredible Adventures Of Van Helsing, Titan Quest, Wolcen – só não fico aqui o dia todo a enumerar mais exemplos porque os ARPGs continuam a ser um género de nicho.

Se Diablo III foi um tiro ao lado porque a Blizzard se afastou um pouco do ambiente sombrio do antecessor, Diablo IV não deixa sombra de dúvidas no que toca à direção do estúdio. Sanctuary é novamente um mundo sombrio, desprovido de cor e esperança, um local absolutamente miserável para todos aqueles que não têm outra chance que não sobreviver lá.

A Blizzard acertou em cheio no alvo com a direção artística de Diablo IV. Desde o momento que damos o primeiro passo em Sanctuary que sentimos miséria até ao pescoço e o cheiro moribundo a morte. O mundo aberto, uma das grandes novidades de Diablo IV, ajuda muito a cimentar o ambiente do jogo, desde os campos gelados de Fractured Peaks, repletos de cadáveres congelados, até aos desertos tórridos de Kehjistan.

Diablo num mundo aberto é uma escolha que se mostra ser competente, mas que acaba por estar em oposição a outros sistemas do jogo, muito graças aos elementos live-service de Diablo IV. O ponto positivo é que não sentimos este atrito na primeira metade do jogo, se o quisermos dividir entre a campanha principal e o endgame.

E ainda bem que assim o é, pois a campanha de Diablo IV é uma das melhores no género dos ARPGs, ainda que não se escape totalmente de algumas falhas, buracos no enredo e momentos clichês facilmente previsíveis.

Depois de criar um personagem, num sistema de criação relativamente robusto, a minha aventura começa numa caverna gelada, abandonado à minha sorte e à beira da morte. Não é preciso muito para entrar no loop absolutamente diabólico de Diablo: após despachar alguns esqueletos, recebo o meu primeiro loot, subo de nível, e desbloqueio as primeiras habilidades. Daqui para a frente, e até sensivelmente ao nível 50, estou no céu, perdido num ciclo de ação e dopamina, absolutamente viciante, mesmo admitindo que sou bastante suspeito – sou um fã tremendo de ARPGs.

O mundo de Diablo IV é arrebatador, ainda que mergulhado na miséria.

A Blizzard mostrou também a razão pela qual as suas sequências cinemáticas ficaram marcadas nas memórias dos fãs de videojogos, em particular de quem as experienciou nos títulos do final dos 90 e do virar do milénio. Os melhores momentos estão reservados para os atos finais da campanha e sem querer partilhar demasiados detalhes ou arriscar-me a entrar no território dos spoilers, a cereja da campanha está mesmo no topo do bolo, ou neste caso nas profundezas do inferno.

Está certo que para lá chegar vamos atravessar momentos mais parados, fruto de um ritmo inconstante, mas vale a pena. Ainda assim, há um pecado capital que a campanha comete, quando nos acena com a potencial liberdade de escolha no último ato e que depois nos retira mesmo à nossa frente. Ainda assim, não é suficiente para manchar a qualidade da narrativa do jogo, bem acima da média para o género, e que inevitavelmente prepara o palco para futuras expansões – até porque estamos a falar de um live-service, que nunca pode parar.

Uma questão de classe

Cada uma das cinco classes de Diablo IV cumpre muito bem a sua fantasia a nível mecânico. Sinto-me como um verdadeiro tanque de batalha com o Barbarian, lento mas extremamente agressivo; ao comando de um Sorcerer consigo congelar, queimar e eletrocutar os meus adversários à distância; enquanto que com o Rogue – com quem tenho mais jogado – sou capaz de dançar entre as hordas de demónios, trucidando-as com golpes rápidos envenenados.

Ainda que um tanto quanto desequilibradas, especialmente se olharmos com mais atenção para as builds mais fortes, todas as classes têm duas coisas em comum: é um prazer tremendo jogar com qualquer uma delas; e em segundo lugar, todas elas funcionam com base numa combinação de duas habilidades – uma básica para ganhar recursos, e outra para consumir os recursos e infligir danos. Mesmo com este cordão que as une, o gameplay de cada uma delas é suficientemente diferente para nos convidar a experimentar novas builds e classes, mesmo com muitas horas de jogo investidas.

Como não podia deixar de ser, o segredo para uma boa build passa por uma árvore de habilidades bem pensada e numa combinação poderosa de itens. Sem um sistema de trade eficaz, (e sem o fiasco que foi a Auction House de Diablo III) a itemização de Diablo IV deixa um pouco a desejar. Como é comum no género, há vários escalões de raridade, que aumentam de acordo com o número de mods, ou propriedades, e cada item pode ter um Aspect, que no fundo serve como modificador das habilidades. Há alguns constrangimentos com este sistema, e que embora não sejam gritantes, começam a fazer-se sentir quando progredimos pelo endgame.

Para começar, há alguns Aspects que são virtualmente obrigatórios em qualquer build, nomeadamente aqueles que afetam a habilidade principal dos nossos personagens. Esta obrigatoriedade reduz as opções disponíveis, e é um detalhe que nunca podemos esquecer ao longo da jornada. Depois, há alguns stats que são completamente desnecessários e que apenas incham o sistema de itemização, sem acrescentar nada de positivo, diluindo as opções de mods realmente úteis.

É difícil avaliar a diferença entre Imbued Skill Damage e Imbuement Skill Damage.

stats que têm uma influência muito menor do que aparentam, como é o caso das resistências, enquanto que outros são imprescindíveis: Armor, Vulnerable Damage, ou Vida, por exemplo. Com esta disparidade de poder entre os mods, o sistema torna-se demasiado limitado e vertical, agravado pelo facto de o sistema de crafting ser praticamente inexistente, permitindo apenas trocar um dos mods do equipamento. A gestão dos itens também se torna penosa, com um espaço de inventário limitado para tantas jóias, e um armazenamento anémico – só é possível ter quatro abas de armazém!

No grande esquema de Diablo IV, estes apontamentos não passam de pequenos grãos nas engrenagens. Às primeiras cem voltas não os sentimos, mas quando as rotações aumentam para os milhares, começam a tornar-se notórios, especialmente no Endgame.

Sétimo nível do Inferno

Com a campanha para trás, é provável que os jogadores mais casuais sintam o impacto desta parede. Os níveis passam a exigir muitos mais pontos de experiência, a progressão é feita através da Paragon Board e é bastante recomendável que cumpram as missões secundárias e descubram todos os Altars de Lilith para ceifar as recompensas de Renown, uma tarefa que exige bastante tempo.

Infelizmente, o endgame de Diablo IV deixa um pouco a desejar. As atividades que são desbloqueadas depois de terminar a campanha não diferem assim tanto do que já experimentámos para lá chegar. A Tree of Whispers não é nada mais que um sistema que nos oferece recompensas reforçadas se cumprirmos atividades por Sanctuary. Mecanicamente, nada muda para lá das regiões com recompensas adicionais, que vão rodando pontualmente.

As Helltides são uma das melhores formas de arranjar equipamento no endgame.

As Helltides são eventos que afetam regiões aleatórias durante um tempo limitado, e que as tornam sensivelmente mais perigosas. Durante estes períodos, que duram cerca de uma hora, matamos criaturas a troco de recursos que usamos para abrir cofres repletos de itens, mas a densidade de criaturas não é nada impressionante.

Já as Nightmare Dungeons são versões especiais das Dungeons normais, que oferecem uma dificuldade progressiva, mas que em troca não se traduz num aumento significativo dos pontos de experiência ou da qualidade dos itens que encontramos.

No que toca a desafios adicionais, temos os World Bosses, que podem e devem ser enfrentados por vários jogadores e apenas um Boss Final, que exige uma personagem de nível alto e bem oleada para ser derrotada.

No fundo, os grãos nas engrenagens de Diablo IV nascem do atrito entre as filosofias de design por detrás de um MMO de mundo aberto com elementos de Live-Service e de um ARPG. Se a primeira nos quer manter agarrados de qualquer forma, ocupando o nosso tempo com viagens pelo mundo e eventos de tempo limitado, a segunda prende-nos completamente com um loop de progressão infinito, em busca do nível máximo, dos itens perfeitos e claro, do tremendo prazer que é pura e simplesmente matar demónios – e neste campo, Diablo IV brilha, mostrando-se à altura da reputação que o precede.

Ao longo do meu tempo de jogo para esta análise, a Blizzard introduziu várias mudanças e hotfixes no jogo, tendo-se já comprometido a alterar muitos dos aspectos mais criticados do jogo e que mencionei aqui, como as recompensas das Nightmare Dungeons, o sistema de Renown, ou o espaço de armazenamento. Isto mostra que o estúdio está atento ao jogo e não quer perder tempo a introduzir mudanças no jogo, o que é certamente um bom sinal para os jogadores mais hardcore, que já vão bem avançados no jogo, enquanto que maioria ainda não terminou a campanha, segundo revelou recentemente a Blizzard. Muito provavelmente, se fosse escrever esta análise daqui a um mês, a minha conclusão poderia ser substancialmente diferente.

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