AEW: Fight Forever – Análise

As expectativas são tramadas. Quando AEW: Fight Forever foi anunciado, fãs da All Elite Wrestling não tiveram como não ficar com aquelas borboletas que foram sentidas aquando da criação da promoção – uma alternativa ao produto da WWE, fundada por nomes que trilharam o seu caminho longe dos holofotes do colosso do Sports Entertainment. Tal como a própria promoção, desde o primeiro momento que o jogo se apresentou como, e evidenciou ser, uma alternativa real à série WWE 2K, com um foco numa jogabilidade arcade que se afastasse do espectro da simulação e voltasse a tornar wrestling divertido.

No trailer de anúncio da data de lançamento de AEW: Fight Forever, Kenny Omega, wrestler fundador e um dos Vice-Presidentes Executivos da AEW, refere que procuraram “desenvolver uma experiência arcade que fosse divertida, fácil de pegar e jogar, mas difícil de dominar”. Essa talvez seja a frase que melhor descreve esta reentrada da Yuke’s no panorama dos videojogos de wrestling. É, realmente, fácil de começar a jogar AEW: Fight Forever e, nos seus pontos altos, a experiência de wrestling é verdadeiramente divertida. No entanto, não é capaz de nos oferecer muito mais para além disso. O jogo é uma alternativa, sim, mas ainda tem muito espaço para crescer.

Promessa cumprida

Com gráficos mais para o ‘cartoony’ do que para o realismo e um ritmo frenético, na generalidade, está na cara de AEW: Fight Forever que esta é uma experiência arcade da cabeça aos pés. A jogabilidade é rápida e explosiva, há uma real sensação de impacto por detrás de cada golpe e não temos que suar muito com combinações complexas para atirar o adversário contra o tapete ou fazer um ‘tope suicida’ para o exterior do ringue.

Os controlos são simples e intuitivos, reminescentes de clássicos como WWF No Mercy, WWE Smackdown! Here Comes the Pain ou WWE Smackdown vs RAW. Com um botão para dar socos, outro para dar pontapés e um terceiro para iniciar manobras de grappling, é através das direções que realizamos diferentes ataques. Um simples clicar do botão permite-nos fazer ataques fracos e mantê-lo pressionado abre-nos as portas dos ataques fortes, dando-nos assim toda uma palete de ofensivas com que pintar o ringue. Isto foi fácil de compreender nas minhas primeiras horas de jogo, mas apenas quando reconheci as nuances do jogo é que comecei verdadeiramente a apreciar AEW: Fight Forever.

Pode ser fantástico no jogo, mas por favor, não façam isto em casa. A sério.

Através do seu sistema de ímpeto, o jogo faz-nos querer seguir uma dinâmica semelhante àquela que vemos em combates de wrestling profissional. É com combinações de ataques, inversões, pins, ‘kick-outs’ e manobras no ‘timing’ certo que enchemos a nossa barra de ímpeto e desbloqueamos a possibilidade de fazer manobras de assinatura e ‘finishers’. Além disso, diferentes wrestlers têm diferentes forças e capacidades, as quais devemos explorar para recuperar e controlar o ritmo da luta.

Durante a minha experiência com AEW: Fight Forever dei por mim a optar mais por um estilo de grappling puro e duro, mais lento, com wrestlers com várias submissões no arsenal. Bem, quem ler isto poderá pensar que sei do que falo e conheço as minhas forças, mas a realidade é que escolhi jogar assim por capricho e, nas primeiras horas, perdi, perdi e perdi.

“A mecânica de jogo de AEW: Fight Forever é prazerosa só por si, mas é nesta carnificina que o jogo verdadeiramente brilha.

Em minha defesa, o jogo não faz um grande trabalho de se explicar: o tutorial cinge-se apenas a umas dezenas de pequenos textos que nos indicam os conceitos básicos. Precisei de bater com a cabeça várias vezes, mas lá comecei a entender as mecânicas fundamentais para o estilo que procurava, como counters ou chain wrestling, a ganhar combates e a sentir-me recompensado – não pelas vitórias, mas sim pela clara sensação de progressão. Sei que ainda existem muitos estilos e ‘movesets’ para explorar e é isso que me faz querer regressar ao jogo.

Esta sensação é exponenciada ao máximo na estipulação Lights Out, uma luta em que vale tudo e onde podemos realmente explorar todas as vertentes do combate de AEW: Fight Forever. São poucos os momentos em que o jogo fica tão divertido como quando conseguimos conjugar toda a parte técnica do combate com ‘slams’ para cima de pioneses, ataques com bastões de arame fartado, mesas partidas ou destruição do ambiente que nos rodeia. A mecânica de jogo de AEW: Fight Forever é prazerosa só por si, mas é nesta carnificina que o jogo verdadeiramente brilha.

Não chega

As estrelas que mais brilham são, no entanto, as que mais rapidamente morrem.

Apesar da jogabilidade ser realmente um prazer, há uma sensação constante de que AEW: Fight Forever podia ser mais, muito mais. A jogabilidade cumpre aquilo a que se propõe, mas não são incomuns as vezes em que bugs afetam, passiva ou ativamente, a nossa experiência.

Em offline, a generalidade dos combates de Tag Team que fiz ao longo do meu tempo de jogo foram insatisfatórios por razões que fugiram totalmente ao meu controlo. Seja por todas as vezes em que me foi travado um pin porque o meu parceiro computorizado insistiu em ficar estático ao invés de atacar o parceiro adversário, ou pelas alturas em que o jogo removeu automaticamente esse mesmo parceiro do ringue e me deixou a levar pancada de dois, houve várias razões para ficar frustrado com o modo de tag team. Esta baixa inteligência do computador torna-se evidente em qualquer combate que envolva mais do que duas pessoas, mas não é tão insatisfatório ou perceptível quando não dependemos dela para vencer.

Uma mãozinha, parceiro?

Um modo de tag team pouco polido ajuda a expôr a falta de variedade de AEW: Fight Forever nas estipulações que traz a jogo. Além dos combates de Singles, Tag Team, 3-Way, 4-Way, Escadote, Unsanctioned Lights Out (Sem Desqualificação) e Falls Count Anywhere, temos apenas duas estipulações verdadeiramente únicas da AEW: o Casino Battle Royale e o Exploding Barbed Wire Death Match. No entanto, nenhum é particularmente especial.

O Casino Battle Royale é a abordagem da AEW aos Rumbles. Em AEW: Fight Forever, a versão que nos é apresentada é distinta daquela que podemos ver na vida real e, infelizmente, acaba por não ser mais do que um 4-Way glorificado, com a entrada de wrestlers de cada vez que um dos quatro que está no ringue é eliminado. Considerando que SmackDown vs Raw (2004), por exemplo, nos oferecia um Royal Rumble com até 6 lutadores dentro do ringue, fica difícil de compreender o porquê desta limitação. Apesar disso, a estipulação é divertida de jogar e dá um ótimo party game, para desfrutar com amigos.

Por sua vez, o Exploding Barbed Wire Death Match é tudo aquilo que o nome indica – um combate num ringue com cargas explosivas, rodeado de cordas feitas de arame farpado. A jogabilidade no combate é tola no melhor dos sentidos: o arame farpado dá choques ao nosso adversário, os cantos estão parcialmente cobertas com mesas forradas a arame farpado e as interações que podemos ter com todos os elementos são puro ASMR. É, por isso, uma pena que esta tolice tenha sempre o tempo contado: todos estes combates têm um contrarelógio de dois minutos até à explosão. Depois desta pouco mais há a fazer além de terminar o combate e, inevitavelmente, ficamos com a sensação de que esta estipulação podia ser algo mais.

O roster de lançamento do jogo base conta com 52 lutadores – 39 homens e 13 mulheres – e inclui muitas das maiores estrelas da promoção, mas sente-se uma falta de profundidade algumas horas de jogo e algumas das ausências são questionáveis. O roster feminino, em particular, peca por não incluir a atual Campeã Feminina da AEW, Toni Storm, e nomes como Saraya ou Jamie Hayter. Estrelas como The Aclaimed, Samoa Joe, Blackpool Combat Club e a Jericho Appreciation Society também estão também de fora, o que é estranho considerando o posicionamento das mesmas nos últimos meses de programação.

Este constante “soube-me a pouco” estende-se a mais vertentes do jogo. O sistema de criação e personalização de wrestlers é, de um ponto de vista estético, desnutrido. O jogo dá-nos um número muito baixo de templates faciais e corporais, de equipamento, roupas ou maquilhagem e, consequentemente, limita as nossas criações. Por oposição, a oferta do sistema de criação de ‘move set’ é enorme e permite-nos realmente aprofundar o estilo e a ofensiva do nosso wrestler até ao mais pequeno detalhe. Considerando que a jogabilidade é o ponto mais forte de AEW: Fight Forever, e as lacunas apresentadas noutras áreas, isto é uma benção.

Uma estrada curta

De todos os modos e estipulações disponíveis em AEW: Fight Forever, o modo Road to Elite foi a maior desilusão das cerca de 14 horas que passei com o jogo. Se a jogabilidade remete satisfatoriamente para os clássicos da WWE do início dos anos 2000, o modo carreira de AEW: Fight Forever tenta recuperar o formato das antigas campanhas, em que vitórias e derrotas resultam em histórias diferentes na nossa jornada, de forma completamente desinspirada.

Road To Elite está dividido em quatro blocos de quatro semanas, com cada semana a terminar com um combate em AEW Dinamite e cada bloco a culminar num dos quatro pay per views disponíveis no jogo: All Out, Full Gear, Revolution e Double or Nothing. Antes das lutas, temos quatro ações que podemos usar com um conjunto de atividades: Treino, Comer, Sair ou ter um segundo combate em AEW Dark ou AEW Rampage. O Treino consome energia em troca de pontos que podemos gastar para evoluir o nosso wrestler, Comer recupera essa energia e Sair permite-nos ir ver vistas, dar entrevistas ou participar em Minigames, tudo atividades com recompensas diferentes. Infelizmente, todas estas se limitam a ações com texto corrido ou encontros com outros wrestles, em cenários indistintos ou de baixa resolução, que terminam sempre com um momento Kodac e rapidamente se tornam repetitivos. E repetitivo foi, realmente, a palavra de ordem durante as minhas duas campanhas de Road to Elite.

Decidi tomar caminhos distintos em cada uma das campanhas: para a minha primeira caminhada rumo ao topo da AEW decidi criar o meu próprio wrestler e optei por fazer a segunda com Miro. A campanha começa, invariavelmente, com um convite de Tony Khan, o CEO da AEW, para participar num Casino Battle Royal, um rumble cuja ordem de entrada é, no jogo, definida pelo naipe e número da carta tirada. Invariavelmente tiramos o 2, para que sejamos os primeiros a ir para o ringue, em conjunto com outros quatro adversários. Em ambas as campanhas perdi esse primeiro combate e, no primeiro bloco, vi-me inserido numa história que me levou a lutar pelos títulos de Tag Team contra Best Friends. Apesar de ter obtido resultados distintos na minha primeira e segunda campanhas, não houve qualquer tipo de variação durante o bloco ou após o combate do título: na derrota separei-me do meu parceiro de modo não amigável e na vitória, apesar de termos conquistado os cinturões, voltei a fazê-lo, sem opção de escolha. No início do segundo bloco os títulos estavam esquecidos e a rivalidade era inexistente, como se nada nunca tivesse acontecido.

Apesar de ter tido muito mais sucesso no arranque da minha segunda campanha (já vos disse que perdi mesmo muito?), o seu segundo bloco trouxe consigo exatamente o mesmo que tinha visto na primeira: uma história com o trio Death Triangle, que começa com uma mostra de amizade, se transforma em rivalidade e termina com um combate não sancionado contra todos os membros do trio. Foi apenas no início do terceiro bloco da segunda campanha, depois de vencer o dito combate, que tive oportunidade de experienciar outra história.

A mecânica de jogo de AEW: Fight Forever é prazerosa só por si, mas é nesta carnificina que o jogo verdadeiramente brilha.

Isto, porém, não tornou as coisas necessariamente mais interessantes. O modo tem uma clara falta de profundidade exacerbada pelo facto de não conseguirmos melhorar stats ou perks de wrestlers reais, não-criados, o que nos reduz a campanha a atividades no exterior, descanso e combates. Tudo isto é pontuado com combates que parecem inconsequentes, narrativas que existem de forma totalmente isolada nos blocos e títulos que não passam de um dado estatístico na nossa campanha. Considerando que demorei cerca de três horas para completar cada uma delas, fica a sensação de que, dadas as suas falências, Road To Elite, tal como outras vertentes do jogo, tem pouco mais para me oferecer.

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