Pikmin 4 – Análise

Dandori é a arte de organizar tarefas, estrategicamente, de modo a executar com a máxima eficiência os planos diários.


Concluí as primeiras impressões de Pikmin 4 confessando que o distanciamento que tinha com a franquia em nada impediu que ficasse absolutamente rendido à jogabilidade, à criatividade, à leveza e ao relaxamento que esta nova entrada consegue proporcionar.

Em apenas duas horas, o jogo conquistou-me de tal forma, que comecei também a sentir aquele ‘meduxo’ habitual sobre a possibilidade de me desiludir umas horas mais tarde, em particular com a alta probabilidade (achava eu) de rapidamente se fazer sentir a repetição do ciclo de gameplay.

Tenho boas notícias: a repetição não se fez sentir e passo a explicar o porquê.

Sobre a história, só precisas de saber que o Captain Olimar (protagonista dos títulos anteriores) aterrou de emergência algures num planeta desconhecido, onde habitam os Pikmin – adoráveis, cooperativas, trabalhadoras e pequenas criaturas. Olimar emitiu um sinal de SOS aos Rescue Corps, unidade especializada em salvamento. A missão dos Rescue Corps também não correu como esperado, sendo obrigados a aterrar de emergência no planeta onde Olimar se encontra.

Em Pikmin 4, e ao contrário dos antecessores, não estás na pele de outra personagem. Neste, és tu o protagonista. Escolhes o teu nome, a tua aparência física e assumes o papel de um promissor jovem em formação da Rescue Corps, cabendo-te a responsabilidade de salvar a restante equipa neste desconhecido planeta.

  Já me alistei nas Rescue Corps!

Para os salvares, terás de explorar este ambiente, preenchido de adversidades, monstros e puzzles por resolver. Tens a teu dispor os Pikmin (basicamente formigas trabalhadoras), o Oatchi (um fiel e adorável cachorro de duas patas) e a equipa dos Rescue Corps que vais resgatando ao longo do jogo (composta por cientistas, programadores, especialistas em diversas áreas, etc).

A exploração consiste em ciclos diários (15 minutos do nosso tempo). Em cada ciclo tens de aplicar a arte do Dandori e organizar da forma mais eficiente possível os teus Pikmin e o Oatchi para explorar o terreno, criar passagens, resolver quebra-cabeças, salvar elementos da tripulação e recolher recursos necessários para reparar a nave espacial, bem como para criar gadgets que te auxiliam na missão.

Tendo em conta que o ciclo de gameplay assenta, aparentemente, sempre neste conjunto de mecânicas, pensei eu – subestimando a mestria dos exímios criativos que injetaram em Pikmin 4 a magia Nintendo -, é muito provável que depois de alguns ciclos diários me vá cansar de fazer sempre o mesmo: organizar a ordem de tarefas dos Pikmin, recolher tesouros para serem convertidos em energia, recolher recursos para serem convertidos em tecnologia e atirar Pikmin contra criaturas hostis para os derrotar.

Estava enganado.

A Repetição existe, mas recusa dar as mãos ao Aborrecimento


Nos dois primeiros níveis ainda estava cético. A adorar o jogo, mas cético. A sensação de que eventualmente chegaria o nível revelador da limitação das mecânicas e, com ele, o inevitável aborrecimento, permanecia (contra minha vontade). Se, de nível para nível, apenas o bioma em si fosse diferente; ou seja, o visual, a geografia, as recompensas e a dificuldade, seria insuficiente. Continuaria a ser divertido, mas certamente se faria sentir a repetição.

Eis que a chegada ao terceiro nível me puxa o tapete e me faz apaixonar ainda mais pelo jogo. Cada bioma diverge de maneiras significativas o suficiente para sentirmos que estamos verdadeiramente noutro lugar e que as condições geográficas, atmosféricas, fauna e flora desse lugar têm impacto direto nas mecânicas de jogo.

Exemplo: este terceiro bioma, sem revelar muito, localiza-se no litoral. E como as expedições se baseiam em ciclos diurnos e noturnos que simulam as 24h, estando no litoral, e nós tendo de passar por zonas onde existe mar, também a maré varia conforme as horas do dia. Portanto, muitos dos lugares que estão inacessíveis num determinado momento, passam a estar acessíveis noutro bloco de horas.

Deste modo, o bioma em si obriga-te a criar estratégias que tenham isto em conta e, embora tenhas à tua disposição as mesmas mecânicas de jogo, terás de as usar sempre de formas diferentes para interagir com determinado bioma. Para além disso, são introduzidas, sempre de forma muito subtil, mecânicas interligadas com o bioma, fazendo com que tenhamos de criar estratégias para não só aprender aquela mecânica, mas também para melhorar e otimizar a estratégia de acordo com o obstáculo que temos à frente.

  Pikmin 4 tem paisagens deslumbrantes e posso assegurar que são ainda mais bonitas no ecrã na Switch.

E, se mesmo assim, sentires que estás cansado das mecânicas de exploração e do processo de angariação de recursos, porque as expedições diurnas, por muito que os níveis sejam diferentes, são compostas pelas mesmas mecânicas nucleares, Pikmin 4 tem a solução para ti: expedições noturnas.

As expedições noturnas são completamente diferentes das diurnas, são um outro jogo. A exploração passa para terceiro plano e a ação em tempo real é o novo protagonista. Embora se desenrolem em biomas que já conheces, a iluminação mais sombria e a intensa hostilidade das criaturas, fazem-te sentir noutro lugar. Mas, como a exploração não é o coração das expedições noturnas, o bioma em si é pouco relevante.

  O meu exército de combate noturno!

Ao longo da exploração das expedições diurnas, vais salvar pessoas que foram transformadas em Leaflings, uma espécie de metamorfose que funde uma pessoa com um Pikmin. Para as salvares, tens de extrair uma substância especial de uma planta, algo apenas possível de noite. No entanto, as criaturas nocturnas também querem esta substância, pelo que terás de a proteger até ao amanhecer, momento em que fica pronta para extração.

Ao teu dispor, tens espécies completamente diferentes de Pikmin e as mecânicas assentes na exploração e no gathering dão lugar a mecânicas semelhantes a um tower defense, onde temos de reposicionar o nosso Dandori para, em vez de exploração, criar uma estratégia mais direcionada para o cultivo e multiplicação dos novos Pikmin especialistas em combate nocturno, ao mesmo tempo que temos de defender a substância.

  O resultado de uma expedição noturna bem sucedida.

Pikmin 4 não deixa espaço para aborrecimento, mas, caso haja, a quebra da rotina está à tua disposição, pelo menos de duas formas: expedições subterrâneas e competições de Dandori contra especialistas nesta arte (uma das minhas coisas favoritas do jogo).

Dentro de cada bioma, há um espaço para explorar e, nesse espaço, existe um número limitado, mas diversificado, de coisas para fazer. Da mesma forma que tens de construir uma rotina para completares o bioma da forma mais eficaz possível, também existem coisas que te permitem quebrá-la.

As expedições subterrâneas, embora façam parte das diurnas, baralham um pouco as regras: podes recorrer a Pikmin nocturnos, os Boss são geralmente mais poderosos, os quebra-cabeças mais exigentes e não existe passagem do tempo. Por seu lado, os desafios de Dandori são expedições em esteróides, centrando-se exclusivamente em colocar à prova a tua eficácia. Dão-te um pequeno mapa, colocam-te contra um especialista em Dandori, um tempo limite, e ganha quem tiver a melhor estratégia.

Dei por mim a organizar a minha abordagem a cada bioma, de forma a que tivesse o equilíbrio perfeito entre rotina de exploração e visitas aos desafios de Dandori, refrescando naturalmente cada run. Além disso, dão boas recompensas e motivam a continuar o maravilhoso e aliciante ciclo de gameplay.

  Um dos meus conteúdos favoritos do jogo: DANDORI BATLLE!

Missões secundárias e a Construção de uma Sociedade

Não gosto nada quando as missões secundárias são chatas. Muitas vezes estão presentes porque fazem parte do género, estruturadas com grindings morosos de tarefas repetitivas e recados que temos de atender.

Em Pikmin 4, as sidequests existem em abundância, mas em momento algum senti que estava a fazer uma tarefa só para conseguir ter a recompensa de que necessito. Apesar de existirem muitas sidequests, numa lista que aumenta consideravelmente ao longo do jogo, sobretudo se investires tempo a completar cada nível a 100%, nunca me senti a perder tempo.

Acontece muitas vezes, noutros jogos, sentir que para além de serem tarefas que não acrescentam nada, muitas vezes as recompensas nem sequer compensam o tempo e energia que ali colocamos. Pikmin 4 vai por outro caminho, que também realça a leveza do jogo, e do relaxamento que se pretende com ele: a sidequest em si não se faz sentir uma tarefa ou algo ‘obrigatório’, porque são coisas que já faríamos de qualquer forma, sobretudo se estivermos totalmente investidos no jogo. Olhando com mais atenção, as sidequests são fundamentalmente dicas para otimizar o nosso Dandori.

Por exemplo: temos uma personagem que nos pede para cultivar um determinado número de Pikmin. Não é algo que tenhamos de desviar do caminho principal para fazer. O cultivo de Pikmin é uma das mecânicas nucleares do jogo. Sem Pikmin não podemos fazer nada, são a nossa força de trabalho, portanto naturalmente já vamos trabalhando no sentido de aumentar o stock de Pikmin disponível. Caso invistas sempre um bocadinho no cultivo de Pikmin em cada nível, estás naturalmente a completar uma sidequest e vais receber recompensas por causa disso. Como bónus, ficas preparado caso tenhas uma brusca baixa no número de Pikmin.

  Sidequests para dar e vender.

Outra coisa bonita das sidequests é a forma como estas são motivadas pela construção de uma pequena sociedade neste planeta desconhecido. As sidequests são-te fornecidas pelas personagens que salvas ao longo das main quests. Não existe obrigatoriedade em resgatar toda a gente, para além da tua tripulação. Mas, se o fizeres, para além de abrires o leque de recompensas, e consequentemente a tua moeda de troca para investires em coisas, todas estas pessoas vão começar a exercer a sua especialidade (seja médico, cientista ou jornalista), fornecendo-te coisas que te ajudam na jornada.

É muito bonito ver aos poucos que o salvamento que vamos fazendo está criar uma comunidade cheia de especialistas que se entreajudam para conseguirmos sobreviver neste planeta desconhecido que tem tanto de hostil como de maravilhoso. As missões secundárias para além de sublinharem a leveza do jogo, demonstram uma grande sinergia com as main missions, não nos desviando para termos de obrigatoriamente as completar.

Um ansiolítico em forma de Videojogo

A maior qualidade de Pikmin, e por isso estou a gostar tanto dele, é a forma como consegue criar desafio, mecânicas profundas, conteúdos diversificados, sem nos fazer sentir frustrados ou ansiosos.

Não há pressão nem obrigatoriedade de fazeres tudo o que há para fazer. Tens liberdade para explorar o que quiseres, pela ordem que quiseres. Se te apetecer ficar um ciclo diário apenas a colher recursos, podes. Se quiseres apenas salvar pessoas, podes. Se quiseres fazer tudo ao mesmo tempo e demonstrar o quão mestre és na arte da eficiência e produtividade, também podes.

O foco de Pikmin é de tal modo o relaxamento, que o erro não é punido severamente. Aliás, poucas são as punições, e as que existem são tão subtis que se estiveres a jogar descontraidamente nem vais dar por elas. Tudo está criado para a experiência mais relaxante possível, disponibilizando até uma funcionalidade de retroceder no tempo, caso queiras melhorar algum dos teus passos.

  Nenhum erro é definitivo.

Não há sequer despejos de informação. A cadência com que tudo nos é apresentado é suave e meticulosamente doseada. É certo que existem muitos Pikmin para conhecer, cada espécie com as suas forças e fraquezas, adequados a diferentes situações; é certo que existe toda uma resma de mecânicas e de itens que nos podem auxiliar a runs mais eficientes, mas, ainda assim, o jogo nunca me fez sentir ansioso por não estar a aprender tudo de uma vez.

E se sentires, porque assim nos obriga a memória muscular de outros títulos, podes respirar: em alguns níveis, ou determinadas secções dos níveis, tudo isso ser-te-á muito organicamente apresentado, seja uso de mecânicas, itens ou equipamentos. É de tal modo gradual, que estarás a usar tudo sem te aperceberes.

  Equipamentos, itens e habilidades para interagir com o mundo de Pikmin.

Apesar de ser um jogo de exploração e gestão de recursos, em constante contra-relógio, é libertador ao ponto de queremos explorar tudo com calma. Já há muito tempo que um jogo não me dava a vontade de o completar a 100%, sem sentir que é uma tarefa. Senti sempre que queria conhecer todos os recantos, colecionar todas as pecinhas, apreciar as paisagens e os adoráveis Pikmin, descobrir todos os easter eggs, resgatar todas as pessoas e conhecer o que por lá estavam a fazer.

Nunca passei para o próximo bioma, sem que o anterior estivesse a 100%. Atualmente, isto é de uma raridade brutal. Pikmin 4 deveria ser celebrado só pelo simples facto de nos conseguir fazer abrandar.

  Que satisfatórios estes 100%.

Apontamentos negativos, nada?

No modo história, em single-player: nadinha. Talvez os mais conhecedores da franquia tenham. A minha primeira experiência com a franquia, e com Pikmin 4 em particular, é uma experiência sem espinhas.

Como jogo completo e tudo aquilo que oferece? Sim, pelos menos dois apontamentos, um com mais peso que o outro. Vejo em Pikmin um potencial tremendo na componente online. Shigeru Miyamoto, na altura do lançamento de Pikmin 3, revelou que o jogo não tinha essa componente, porque seria muito complicado implementar partidas online que processassem os jogadores, mais os 100 Pikmin de cada um. Isto foi em 2013. Não sei se a limitação de hardware se mantém, mas espero que um dia seja resolvida. Seria incrível poder desfrutar de partidas Dandori online e daria toda uma outra vida e longevidade à franquia.

O segundo apontamento é sobre o modo cooperativo local. Este já tem um peso negativo, até porque, sendo offline, a mesma desculpa de limitação de hardware não pode ser aplicada.

Ele existe e não tenho queixas sobre a sua implementação: o segundo jogador pode estar presente em todo o modo história e pode intervir munido de uma fisga para arremessar coisas contra os inimigos. É um tipo de modo cooperativo interessante para pais que estejam por exemplo a jogar com os filhos e aproveitar para ter aqui um serão em família e os mais novos sentirem-se parte do jogo.

O que me parece um aspeto negativo é apenas existir este tipo de modo cooperativo. Por que não haver a possibilidade de dois jogadores poderem cooperar, cada um com a sua abordagem ao Dandori e passarem o modo de história juntos? Pikmin é perfeito para um co-op local e esse potencial não está a ser verdadeiramente aproveitado.

De momento o segundo jogador não passa de um mero observador que pode apenas atirar coisas. Seria muito mais interessante se o segundo jogador pudesse assumir outra personagem dos Rescue Corps e fazer parte desta jornada.

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