Cyberpunk 2077: Phantom Liberty – Análise

A indústria de videojogos vive, provavelmente, a época de maior abundância de DLC’s e expansão de conteúdos. Uns prometem mundos e fundos, servindo-se das fragilidades e paixões dos jogadores por determinado título, incentivando-os a comprar uma mão cheia de nada (como por exemplo a mais recente expansão de Pokémon).

Outras, mais honestas – por outras palavras: descaradas – reduzem propositadamente os conteúdos do jogo, para, posteriormente, lançar conteúdos sazonais que num passado cada vez mais longínquo fariam parte do jogo completo (prática muito comum no mundo dos fighter games, caso queiras ter o roster a 100%).

Nos meandros deste mercado, surgem por vezes expansões genuínas, desenvolvidas com paixão pelo produto, que pretendem verdadeiramente deixar o jogador com a sensação de que recebeu mais do que aquilo que investiu. Foi isso que senti com Phantom Liberty: uma enorme paixão do estúdio por este universo, uma enorme vontade de mostrar aos jogadores aquilo que pretendiam desde o início e uma igual vontade de entregar um imenso valor aos jogadores, redimindo-se definitivamente do seu desastroso lançamento original.

Depois de ter passado umas boas 15 a 20 horas na narrativa principal de Cyberpunk 2077, em algumas gigs, e de completar o arco “Voodoo Boys/NetWatch”, eis que recebo uma misteriosa chamada de uma jovem chamada Songbird. É uma netrunner absurdamente habilidosa, talvez tanto quanto a Lucy de Edgerunners e com potencial de se transformar numa Alt da nova geração.

Tem uma proposta para mim: promete salvar-me, resolvendo o “problema” chamado Johnny Silverhand. Como dizem os ingleses: beggars can’t be choosers, de maneiras que o desespero começa a ser muito e aceita-se aquilo que o destino nos vai colocando no caminho. É certo que a Alt tem uma proposta interessante para a resolução do problema, mas a proposta da Songbird parece ser ainda mais eficaz e menos problemática (achava eu).

Sobre o conteúdo da narrativa não vou adiantar mais nada. A qualidade de um bom thriller de espionagem encontra-se nas surpresas narrativas, nas personagens misteriosas e nas constantes voltas e reviravoltas que nos fazem questionar a cada passo dado.

Daí que, parece-me mais interessante falar da forma, e da sua integração numa história que se pensava completa, do que revelar-te o conteúdo propriamente dito. Ao contrário daquilo que também é muito recorrente, Phantom Liberty não é uma expansão de conteúdos centrada em acrescentar história para além do final de Cyberpunk 2077. Sinto que uma boa parte das ditas “expansões” são pensadas depois do último capítulo, não tendo qualquer impacto no jogo principal, fazendo-se sentir mais um apêndice do que propriamente um órgão vital ao funcionamento de todas as partes.

Tudo aquilo que compõe Phantom Liberty, as dezenas de novas missões principais, as novas sidequests e gigs, o novo distrito, as novas habilidades, os novos itens, as inesperadas interações que temos com este novo mundo aberto, a nova banda-sonora e estações de rádio, tudo isto dá forma a uma peça que sempre fez falta a CP2077 e que a partir de agora não pode viver sem.

Nas minhas primeiras impressões referi que, não obstante à previsibilidade de algumas conclusões deste arco, inerente ao género de narrativas thriller de espionagem, a forma como aprofunda a ligação emocional que tenho com o V, e a forma como amplifica a importância dele neste mundo, fazia-me sentir que haveria um CP 2077 antes de Phantom Liberty e um CP 2077 depois: o V não será o mesmo e o meu sentimento por este mundo também não.

Confirma-se e é precisamente este o meu ponto: Phantom Liberty não é uma simples adição de uma história interessante. E podia ser e continuaria a ser uma experiência incrível. É mais do que isso, e centrando-me apenas na história (sobre gameplay falarei mais à frente), passo ao cerne da questão:

As Consequências das Escolhas

Nas minhas 15 horas de jogo que precedem Phantom Liberty, senti que as minhas escolhas tinham impacto na narrativa, mas conseguia prever o que aconteceria em cada uma, não sentindo que estava a perder algo. Ou seja, salvo excepções, as nossas escolhas têm impactos binários, se decidir hostilizar um Fixer, entro num caminho de maior adversidade; se decidir ajudar personagens de grande relevo, mais cedo ou mais tarde isso vai-me ajudar, e por aí fora.

Em Phantom Liberty as escolhas são mais sérias, mais complexas, assentes em dilemas morais e na nossa capacidade para ler nas entrelinhas das intrincadas palavras e ações das complexas personagens, aliás como não poderia deixar de ser num thriller de espionagem. Embrenhei-me na história, envolvi-me com as personagens e dei por mim a ficar verdadeiramente chateado com algumas consequências de escolhas que fiz. O clássico da vida: não devia ter feito isto, devia ter feito aquilo. E é de apreciar quando um jogo nos deixa a sentir assim.

As escolhas tomadas em Phantom Liberty não ficam em Phantom Liberty. As escolhas tomadas em Phantom Liberty têm sérias implicações no resto do jogo, e, ao contrário do que senti até aqui, desta vez senti-me a perder algo. Deixou de ser um simples binário. Desta vez senti que queria jogar todas as possibilidades e conhecer todas as linhas narrativas. Senti que por cada escolha tomada, entrava numa linha e que do outro lado da bifurcação está uma história completamente diferente que só poderei conhecer se voltar atrás.

The update is a biggie.

Idris Elba, Keanu Reeves e V entram num bar em Dogtown

As personagens de Cyberpunk esbordam carisma, desde o seu visual à sua caracterização. Antes de Phantom Liberty são muitas as favoritas, desde o otimista incurável Jackie, ao confiável Viktor, à imparável Rogue. Em Phantom Liberty é introduzida uma resma de personagens principais e secundárias, sendo que muitas delas permanecem no jogo depois da história estar concluída, e também elas se apresentam com muito gravitas.

O Keanu Reeves como Johnny Silverhand é o prazer do costume, ouvi-lo e vê-lo sabe sempre a pouco. Esse sentimento repete-se com Idris Elba, a dar corpo e voz a Solomon Reed (se dúvidas haviam que este senhor daria um maravilhoso James Bond, em Phantom Liberty encontra-se a prova de que será um desperdício se nunca vestir o fato de 007). A personagem está muito bem escrita, sempre com diálogos lhe conferem carne e osso. Mas, a interpretação que Elba lhe dá, é a cerejinha.

Todas as personagens estão incríveis, mas o destaque vai mesmo para Reed, para Songbird (a minha preferida, mas não vou adiantar nada sobre ela) e para o antagonista Kurt Hansen, o auto-proclamado líder de Dogtown e, no fundo, ditador deste estado independente que vive em regime de Comunismo de Guerra. O seu visual, forma de estar e de falar, trazem à narrativa e às cenas em que está presente uma sensação de constante receio da sua próxima ação, emanando uma aura de imprevisibilidade implacável.

Dogtown – O recanto Punk dos New United States of America

Dogtown é um perigosíssimo distrito dentro de Pacifica, com um grande volume de cyberpsychos e uma segurança apertadíssima fruto do regime comunista que lá se vive. A Night City é linda e maravilhosa, mas Dogtown respira e transpira a parte mais punk do género (que é aquela que mais gosto).

Com direito aos característicos mercados negros subterrâneos barulhentos e com muita oferta, onde facilmente perdemos uma horinha à procura dos melhores negócios; às colossais habitações construídas em contentores empilhados uns nos outros, com cabelagem a cruzar-se por todos os lados; Dogtown apresenta-se suja, carregada de eletrónica, metal e propaganda.

Aquilo que mais me impressionou em Dogtown, para além da sua estética mais Punk, é a avolumada densidade de NPCs que lá habita e que caminha pelos centros mais importantes do distrito. Ao passear pelo mercado negro, ou pelo bairros com bares e vida notura, deparei-me com NPC’s que se comportavam como pessoas, conversas distintas, cada um na sua vida, no seu trabalho, na sua rotina.

Dogtown está fora de Night City, mas há aqui muita, mesmo muita vida.

Novas abordagens ao gameplay

As novas mecânicas de jogo, introduzidas em Phantom Liberty, vêm com a adição de uma nova árvore de habilidades: a Relic Skill Tree. Tal como o nome indica, esta nova árvore de habilidades está intimamente relacionada com a Relic, desbloqueando a partir dela novas habilidades de grande brutalidade, que permitem uma nova abordagem ao gameplay.

Por entre as muitas habilidades adicionadas tenho um gosto especial pela evolução do monowire (provavelmente por causa da Lucy de Edgerunners e por causa do meu estilo de jogo ser mais de Netrunner – uma build que o Update 2.0 e Phantom Liberty vêm beneficiar).

A isto junta-se uma panóplia de alterações que reformulam e elevam o gameplay, como por exemplo combate em veículos e melhorias na inteligência artificial da polícia, entre muitas outras adições.

Conteúdos para além de Phantom Liberty

Mesmo que te concentres apenas na história principal de Phantom Liberty terás muitas horas de jogo depois disso. Como qualquer zona de Night City, também em Dogtown tens um Fixer local: o Mr. Hands. E rapidamente se transformou num dos meus Fixers favoritos. Não é apenas um líder de gangue, não é apenas um líder de crime organizado à procura do próximo grande Merc, da próxima grande Gig e do próximo grande pagamento.

O Mr. Hands é um Fixer ambicioso, com uma visão para além do crime organizado, que pretende escalar até ao topo, com o sonho de dar uma nova vida a Dogtown, estando pelas sombras em jogos de poder com Hansen. Há aqui muitas nuances.

Isto para dizer que não faltam coisas interessantes para fazer por Dogtown antes, depois e durante Phantom Liberty.

Problemas, bugs e outras coisas menos boas

No coração, a experiência que tive com Phantom Liberty foi nada menos que perfeita.

Racionalizando, o assunto muda um pouco. É certo que não me deparei nem com 10% dos problemas que muitos jogadores atravessaram no seu lançamento original, e continua a ser impressionante a profundidade e escala que Cyberpunk 2077 tem sem rebentar por todos os lados.

No entanto, e embora seja uma experiência maravilhosa, ainda existem algumas arestas por limar. Cruzei-me com os habituais personagens que de vez em quando assumem a famosa forma de “T”, deparei-me com NPC’s com alguns comportamentos estranhos e as animações nos diálogos nem sempre se desenrolam como deveriam. Tudo isto são “reclamações” menores dada a escala do jogo.

A minha maior reclamação, e essa sim impediu por duas vezes o meu progresso no jogo e removeu-me completamente da imersão que estava a sentir, vai para certas ocasiões onde a minha personagem ficou completamente presa. Nada podia fazer a não ser aceitar o meu destino esperando que alguém me matasse (isso, ou rezar que tivesse um load perto do lugar onde me encontrava).

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