Detective Pikachu Returns – Análise

Em teoria, a proposta de um jogo de detetives, passado no mundo de Pokémon, com um Pikachu bastante dialogante enquanto protagonista, não parece muito interessante. Não só parece desinteressante, como é difícil vê-lo apelar a fãs de Pokémon no geral.

Na prática, funcionou. Detective Pikachu chegou à Nintendo 3DS (ao Japão em 2016, ao resto do mundo em 2018), e embora tenha colhido legítimas críticas negativas sobre alguns dos aspetos de gameplay, foi sobretudo elogiado pela abordagem refrescante ao mundo de Pokémon, pela sua narrativa e humor, pelos protagonistas e pela sua química.

Também elogiados, e como coração das mecânicas do jogo, estão os puzzles, que servem de metáfora para a resolução de cada mistério e que ajudam a quebrar o muito diálogo que existe ao longo do jogo.

Usufruindo por inteiro dos dois ecrãs da Nintendo 3DS, Detective Pikachu ganhou um outro charme, aproveitando o ecrã superior para o jogo e cutscenes, e o ecrã inferior para podermos interagir com os nossos apontamentos, com as pistas e com a resolução dos puzzles, tudo feito com a caneta da 3DS que nos fazia sentir verdadeiros detetives acompanhados do nosso fiel caderno.

Uma narrativa de mistério que funciona numa consola portátil, tem tudo para funcionar como adaptação live-action, certo? Mais do que certo. Poucos anos depois, o modesto jogo da 3DS dá o salto até ao grande ecrã, revelando-se um enorme sucesso comercial (quase 500 milhões de dólares em bilheteira, com apenas 150 milhões de dólares de investimento).

No que diz respeito à receção crítica, essa já foi mais divisiva, mas é consensual que adaptação live-action de Detective Pikachu demonstrou mais qualidades que defeitos, impulsionando uma nova era de adaptações live-action de videojogos, estando, inclusive, confirmado o desenvolvimento de uma sequela.

Não muito tempo depois, surge também a confirmação de que está a caminho da Nintendo Switch uma sequela de Detective Pikachu, com o propósito de finalizar a história que iniciara na 3DS.

O primeiro jogo conta-nos como este Pikachu em particular se transformou em Detetive, como ele conhece Tim Goodman, e como juntos começam uma jornada para descobrir o que terá acontecido a Harry Goodman: pai do Tim e companheiro original do Pikachu. No final do primeiro jogo, e após terem resolvido muitos mistérios, ficam perto da resposta, mas não conseguem chegar a ela, ficando por resolver o mistério principal: onde está o Harry e o que lhe terá acontecido?

Detective Pikachu Returns promete e resolve este mistério, mas terá conseguido fazê-lo com o mesmo charme que o seu antecessor?

Infelizmente, a resposta é muito simples: nem por isso.

A forma como o jogo se desenrola é, em muito semelhante, a Detective Pikachu. Tudo começa com um pequeno mistério, cabendo a Tim e a Pikachu a responsabilidade de o resolver. Esse pequeno mistério revela-se apenas uma pequena parte de uma gigante conspiração, que conduz a narrativa ao mistério principal.

Tal como o antecessor, a história é contada através de algumas cutscenes (todas elas sempre com muita pressa de acabar) e de muito, mesmo muito, diálogo em texto. Por entre os momentos de diálogo vão sendo registadas notas, que se transformam posteriormente em pistas. A dada altura, quando temos pistas suficientes, podemos proceder à dedução, resolvendo o mistério.

Aquilo que no primeiro jogo era uma grande qualidade, os puzzles como representação visual do raciocínio e da resolução dos mistérios, foi reduzido a um processo praticamente automatizado: falamos com as personagens, os pontos chave são registados como pistas, quando temos muitas pistas é possível realizar uma dedução que nunca tem uma resposta errada ou consequência. Ou seja, a sua grande qualidade transformou-se em Returns num absoluto aborrecimento.

Se críticas haviam ao baixo nível de dificuldade dos puzzles do primeiro jogo, em Returns deixa de existir qualquer dificuldade. Enquanto jogador, nunca senti que fizesse parte da resolução. O processo está praticamente todo automatizado, removendo muita da interação e do impacto que tínhamos com as pistas para a resolução de cada caso.

O gameplay desnecessariamente simplificado, capaz até de insultar os mais novos, e uma história com mistérios óbvios, chegando-se sempre à conclusão antes das personagens, revela-se pouco estimulante, enfadonho, frustrante e pouco recompensador, transformando o jogo num aborrecido visual novel, que precisa de nós apenas para clicar A-A-A-A-A para existir.

Para além da conclusão da história – que já é conhecida do filme -, tenho dificuldades em perceber o propósito do jogo e, sobretudo, a quem ele se destina. É certo que a exagerada facilidade torna-o acessível como jogo de mistério para quem tiver menos de 5 ou 6 anos. Em contrapartida, o gigante volume de diálogo aborrecerá qualquer criança, resultando num daqueles jogos que é oferecido por ter Pokémon no nome, com um destino inevitável: a gaveta. Cá em Portugal, e também no Brasil, o jogo enfrenta uma adversidade ainda maior: embora seja um jogo feito para crianças, não foi traduzido.

Eu gostei muito do primeiro jogo e adorei o filme, pelo que estava entusiasmado com este lançamento, perspectivando até que tivessem aproveitado o sucesso de ambos para aprofundar as mecânicas de jogo. O caminho foi feito para trás, e não se trata de dar um passo atrás para dar dois para a frente; isto é mesmo uma total inversão de marcha.

Tenho mesmo pena que esta sequela tenha falhado em repetir as qualidades do primeiro. Claro que nem tudo é mau: a dobragem ainda que reduzida continua boa, a química do Tim e do Pikachu continua bonita de presenciar, ambos continuam a ser boas personagens e não senti de todo que tivessem sido descaracterizados. Acima de tudo, a piada de ver “dad jokes” a sair da boca de um Pikachu, não envelhece. O problema é tudo isto existir em quantidades muito reduzidas e ficar completamente soterrado por tudo o que estraga a experiência.

Quem sabe o filme sequela ajude a limpar Returns. Seja como for, uma coisa é certa: Detective Pikachu Returns acabará por ser esquecido, ou apenas lembrado pela forma como falhou.

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