Squid Game, da Netflix – Análise

Squid Game é a mais recente série fenómeno da Netflix, que estreou no passado dia 17 de setembro. Para terem uma ideia do impacto, bastaram apenas treze dias para que se tornasse, inesperadamente, no assunto do momento. Se existe um Top de séries mundial, Squid Game está no topo pelo décimo terceiro dia e, segundo o co-CEO Ted Sarandos (Netflix), a produção sul-coreana tem tudo para tornar-se “a maior produção global de língua estrangeira, tendo uma forte probabilidade de ser a maior série de sempre”. Por isso… adeus La Casa de Papel.

(Este artigo contém spoilers sobre Squid Game. Se ainda não viste a série, volta mais tarde para leres o artigo e trocarmos umas ideias nos comentários).

O fenómeno

O fenómeno Squid Game talvez não seja assim tão difícil de explicar, pois a série retrata uma realidade não muito distante da nossa, onde todos temos que trabalhar para poder viver e muitos lutam diariamente para garantir apenas o essencial para sobreviver com dignidade. Muitas vezes, é quase como se a vida fosse um Battle Royale. Ora, é precisamente nesta equação que entra Squid Game – uma série Battle Royale que não precisa de uma realidade inventada para transmitir a essência da sua mensagem.

A série é protagonizada por Seong Gi-Hun, um homem que não vive, sobrevive. Sem condições para lutar pela obtenção da custódia da filha – que está prestes a mudar-se definitivamente para os EUA – vê-se obrigado a aceitar aquilo que pensa ser a oportunidade única de mudar o rumo da sua vida. O problema é que como Seong Gi-Hun… há mais 455 pessoas.

Número Mágico ou Linha da Morte?

Seon Gi-Hun recebe um enigmático cartão com um número de telemóvel – o número que poderia mudar a sua vida, para sempre. A existência deste número é um pormenor fundamental na história da série, pois representa (inicialmente) esperança para as personagens e, para nós espetadores, um verdadeiro mistério. O que é curioso é que, à medida que a narrativa se desenrola, aquele que outrora foi um número mágico, passa a ser… a linha da morte.

Tarantino ‘Style’

456 pessoas são levadas para uma localização desconhecida, sendo recebidas por um grupo organizado de indivíduos vestidos com fatos vermelhos e máscaras pretas (para não revelarem a sua identidade). Portanto, se até aqui um simples número num cartão era misterioso, tudo se intensifica quando chegam a uma espécie de armazém com 456 camas; 456 fatos de treino verdes devidamente numerados do 1 ao 456; sendo surpreendidos por uma voz que se aproxima para revelar a essência do “Game”.

Trata-se de seis jogos distintos (todos eles jogos tradicionais infantis da Coreia do Sul). 456 pessoas completamente falidas e desesperadas são convidadas a arriscar a sua vida em troca de um prémio multimilionário. O que os jogadores não sabem (nem nós, espetadores) é que os jogos de criança encaixam, perfeitamente, num filme de Tarantino.

1-2-3 Macaquinho do chinês

Quem nunca jogou o famoso jogo de criança Macaquinho do chinês? Aparentemente, este jogo é universal e Squid Game apresenta-nos a uma nova versão: “1-2-3 Macaquinho do Chinês!” – quem se mexe é eliminado, mas não vai almoçar mais cedo. Eliminado, literalmente. Quando os jogadores se apercebem de que um passo em falso lhes custa a vida, o caos começa. Ouvem-se gritos, balas, corpos a cair no chão e respingos de sangue a pintar a parede.

Após o primeiro jogo, conhecemos aquelas que vão ser personagens importantes na história e descobrimos que Cho Sang-Woo – amigo de infância de Seong Gi-Hun – também veste um fato de treino verde e, tal como todos os outros, vai fazer de tudo o que estiver ao seu alcance para sobreviver e ganhar o prémio multimilionário.

Favo de Mel (IGN) – boasorte.ign.pt

A união faz a força… às vezes

No meio de tanto sangue derramado, os jogadores começam a querer fazer equipas, aliando-se àqueles que consideram ser os mais fortes. Afinal de contas, o tema do próximo jogo é sempre uma incógnita e ser seletivo nos aliados é fundamental para aumentar as possibilidades de ganhar uns bons milhões de wons… ou sobreviver mais um dia. Esta será sempre a questão principal da série, pois o sentimento da primeira morte já não é o mesmo quando ouvimos soar no altifalante: “Jogador 2XX eliminado”, e a verdadeira essência das personagens vem ao de cima.

Seong Gi-Hun quer ganhar o prémio e recuperar a filha ou quer apenas sair daquele sítio com vida? O que estará ele disposto a fazer? E as outras 455 pessoas? O caos continua e sobressai naquela que é uma guerra de dignidades que se instalou para ficar… até ao fim.

Seong Gi-Hun alia-se a Cho Sang-Woo (como seria de esperar), Kang Sae-Byeok (uma miúda resiliente que pretende tirar o irmão de uma instituição de solidariedade), Abdul Ali (um emigrante paquistanês que viajou até à Coreia do Sul para trabalhar e ajudar a família) e Oh Il-Nam (um idoso que está doente, em fase terminal).

Squid Game também vem mostrar que a força de uma equipa não se mede pelo peso e idade. Tanto a sabedoria de Oh Il-Nam, como a irreverência de Kang Sae-Byeok, foram peças fundamentais para que pudessem avançar para o próximo jogo. Ainda assim, tudo muda quando as regras mudam: os jogadores da mesma equipa têm que jogar uns contra os outros; ou apenas um poderá ganhar o prémio final. No meio destas conexões emocionais, torna-se muito difícil escolher os números que devem morrer para que os outros possam continuar. Quem é mais importante? A filha de Seong Gi-Hun? O irmão de Kang Sae-Byeok? A família de Abdul Ali?

Responder a estas questões não é tarefa fácil e, enquanto espetadores, entramos num conflito interior que agita os nossos sentimentos, colocando-os a peso com a nossa moral em cima de uma balança que vai, contrariadamente, tomar o partido de alguém. O custo de oportunidade está inerente: escolher A, faz-nos abdicar de B, quando o tempo é escasso e a vontade de que todos sobrevivam é infinita.

Plot Twist

Se há algo que traz emoção a qualquer série/ filme/ videojogo/ livro… é um derradeiro plot twist. Squid Game fê-lo na perfeição. A informação que ninguém esperava e coloca, em perspetiva, 9 episódios de série, faz-nos questionar o verdadeiro sentido de tudo aquilo que está, literalmente, “em jogo”. A despedida de Oh Il-Nam não é um momento fácil para ninguém, mas mais difícil é ver o regresso daquele que seria o ‘gganbu’ para a vida e que trouxe ao jogo o único fator que causa discórdia entre os jogadores… a batota.

As Pombinhas da Catrina

Em Squid Game a soundtrack surte um efeito inacreditável em nós, espetadores. Vai desde um som de flauta, semelhante à nossa “Pombinhas da Catrina” – o que nos remete aos tempos de infância e, por isso, aos jogos associados às crianças – como ao som arrepiante e sombrio que estamos habituados a ver em filmes de terror, quando alguém se aproxima lentamente de uma porta, sem saber que a morte é o que está à espera do outro lado. No meio desta disparidade existe muito ritmo. Drums que nos fazem sentir urgência em avançar o mais rápido possível, para que Seong Gi-Hun, Cho Sang-Woo, Kang Sae-Byeok, Abdul Ali e Oh Il-Nam saiam daquela corrida de cavalos como justos vencedores.

No que concerne ao fator entretenimento, Squid Game é, sem sombra de dúvidas, um merecedor fenómeno no panorama mundial e veio mostrar que podem existir muitas casas feitas de papel. Com um enredo meticulosamente pensado para transmitir emoções fortes e fazer-nos questionar as nossas prioridades, princípios e valores. Até onde estaríamos dispostos a ir para salvar a nossa própria vida, ou ganharmos incontáveis milhões de euros? Se ligares para a IGN… uma coisa é certa: salvamos-te, em todos os jogos! +351 902 699 079

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