Evil Dead: The Game – Análise

A franquia Evil Dead tem-se mostrado mais viva do que morta. Tem envelhecido como um bom vinho ao longo dos seus mais de 40 anos, tanto no grande ecrã através de uma sequela já este ano para o filme de 2013, intitulada Evil Dead Rise, e também por via de um potencial filme crossover que pretende juntar o protagonista da trilogia original com a dos novos filmes; como no espaço dos videojogos, onde esta vivacidade também se verifica, com o recente lançamento de Evil Dead: The Game, o qual no título faz questão de salientar corajosamente que este é “O Jogo” de Evil Dead. Se o é, ou não, será algo que tratarei mais à frente.

Em Evil Dead: The Game um grupo de 4 sobreviventes descobre que o Kandarian Demon, demónio ancião, abriu um portal entre a Terra e o Inferno, permitindo a passagem de entidades prontas a sugar as almas de todos os seres vivos. Para o impedir, os 4 sobreviventes terão de juntar forças para fechar o portal. A missão passará sempre por encontrar armas, mantimentos e itens que os deixarão preparados para enfrentar as grandes ameaças que se escondem pela tenebrosa floresta. O portal pode ser fechado sob duas condições: colecionar todas as páginas do Necronomicon e o sabre Kandarian, duas armas cruciais para fazerem frente aos Dark Ones, que protegem a todo o custo o Necronomicon, também conhecido como Livro dos Mortos.

O jogo apresenta duas componentes: a multiplayer (pela qual é maioritariamente composto e é nesta que podes jogar a “narrativa” descrita acima) e ““““singleplayer”””” (a quantidade de aspas, itálicos e sublinhados não é um erro ortográfico. Explicarei, igualmente, mais à frente).

No modo multiplayer podes:

  • Jogar como um dos sobreviventes com mais 3 pessoas de qualquer parte do mundo, para derrotar o jogador que escolheu ser o demónio;
  • Jogar como um dos sobreviventes com mais 3 pessoas de qualquer parte do mundo, para derrotar um demónio controlado por uma inteligência artificial;
  • Jogar como o demónio que enfrentará as 4 pessoas;
  • Jogar como um dos sobreviventes juntamente a mais 3 inteligências artificiais, para derrotar um Demónio também controlado por uma inteligência artificial;
  • Criar uma sessão privada com mais amigos, na qual uns podem ser os sobreviventes e um deles o demónio, sendo que neste modo não precisas de ter 5 jogadores. Chegam 2, um para jogar como sobrevivente e outro como Demónio;

No modo ““““singleplayer””””, podes escolher uma personagem para completar pequenas missões (sem checkpoints e muito punitivas), fortemente baseadas em arcos narrativos e momentos de Evil Dead, sobretudo da trilogia original.

Os jogadores que completarem estas missões serão recompensados com diversos conteúdos, nomeadamente personagens e as The Knowby Tapes, as quais revelam mais informações sobre o universo de Evil Dead.

Como jogador, nada me custa mais que um jogo cheio de potencial não concretizado, no qual claramente foi investido imenso tempo e esforço de desenvolvimento, por pessoas que evidentemente são fãs do universo de Evil Dead e o conhecem maravilhosamente bem. Ainda me custa mais quando também eu sou fã da franquia no qual ele é inspirado, vendo aqui uma oportunidade perdida de trazer aos fãs e ao público em geral a derradeira experiência jogável de Evil Dead.

Começando pelo que o jogo oferece em conteúdos, particularmente o conteúdo nuclear: ação multiplayer assimétrica (4vs1). No caso de comprares o jogo para desfrutar de sessões multiplayer online no qual tomas o lugar de 1 sobrevivente e te juntas a mais 3, contra um demónio também ele controlado por 1 jogador, então terás de te preparar para lidar com uma frustração gigante.

A jogabilidade e mecânicas interessantes e relativamente intuitivas…

A jogabilidade e mecânicas estão interessantes e, passado algum tempo, até se tornam relativamente intuitivas, embora se demore um pouco a habituar aos controlos; o ambiente é bonito, bem executado, sinistro como deve ser (embora com alguns exageros de banda sonora. Não é por a colocarem mais alta que me vão assustar mais vezes), com diversas quotes memoráveis nele presentes, seja pelas personagens como pelos demónios, como por exemplo o “We’re going to get you. We’re going to get you.”; O mapa é relativamente grande para algumas horas de jogo, tem muita coisa para ser descoberta e estão nele presentes localizações icónicas como a “cabana” original na floresta.

Evil Dead: The Game

Existem algumas mecânicas pouco completas ou preguiçosas, como por exemplo a condução de carros, que está apenas assente no básico dos básicos. Mas, seja como for, toda a parte do gameplay está satisfatória, tem os seus defeitos, mas nada de impeditivo para sessões casuais e divertidas.

O que falha na componente online é ainda mais essencial que tudo o resto que mencionei: trabalho de equipa. Tudo está estruturado para ele existir. Aliás, cada sessão de jogo só poderá ser terminada se o trabalho de equipa existir, residindo aqui o primeiro grande e crucial problema de Evil Dead The Game. Existem diferentes personagens à disposição do jogador, cada uma com o seu conjunto de habilidades definido por uma classe específica à qual pertencem. Uma equipa composta por diferentes classes terá mais chances de sobreviver, estando preparada para mais eventualidades e variáveis causadas pelo Demónio e pelo ambiente. As habilidades de cada jogador serão cruciais para salvar toda a equipa em momentos de aflição (literalmente). Cada jogador tem, por isso, um papel bem definido em cada sessão. A equipa pode, por exemplo, optar por dois procurarem pelos mapas e os outros dois por itens e mantimentos, etc. Existe diversidade estratégica.

This delay will also allow for the team to add a single-player option to the game.

Então, porque falha esta componente? Porque não existe nada que verdadeiramente obrigue à colaboração. Bem, na verdade existe a “mecânica do medo” que consiste em enfraquecer o jogador caso este se afaste da equipa, tornando-o um alvo mais frágil e apetecível para o Demónio. Como já deves ter percebido, esta mecânica pode matar o jogador, mas quem é verdadeiramente prejudicado é a restante equipa, que agora tem de terminar a sessão com menos um ou mais elementos.

Em todas as sessões que joguei, e digo todas sem excepção, cada jogador foi para o seu lado, indiferente aos objetivos. Andam a passear pelo mapa a tentar açambarcar todos os recursos. Por vezes lá aparecia um jogador, no máximo dois, mais colaborativos, mas acabávamos por falecer mais cedo ou mais tarde. A dificuldade da sessão está estruturada para a colaboração de 4 jogadores, basta um falhar que dificilmente se consegue chegar ao fim. Na minha experiência nunca cheguei ao fim de uma sessão, havia sempre alguém cujo objetivo era o de estragar a sessão aos restantes.

Por outras palavras, no estado atual, o modo principal do jogo não está funcional. Não está jogável como os seus criadores certamente pretendiam que fosse apreciado. Acredito que, se conseguirem mais 3 jogadores colaborativos, a sessão se transforme numa experiência incrível. Aliás, se conseguirem reunir 5 amigos, para sessões de 4vs1, e se forem todos fãs do universo de Evil Dead, então preparem-se: estão aqui perante um título 8 em 10, no mínimo. Caso essas condições sejam reunidas, garanto-vos que estarão perante o THE GAME de Evil Dead. Contudo, qual a probabilidade de existirem 5 amigos fãs de Evil Dead que estejam interessados em jogar, investir cada um 40 euros num jogo, mais conexão à Internet, mais subscrição ao Plus? Precisamente, muito baixa.

Claro que existem sempre os outros modos. Podes jogar como Demónio, e é bastante divertido, mas rapidamente se torna repetitivo. Comprares um jogo multiplayer colaborativo e basicamente só jogar de demónio sozinho não me parece valer o investimento pedido.

O mesmo se poderá dizer sobre o modo singleplayer “supostamente offline”, repetitivo e curto. As pequenas missões são muito interessantes para os conhecedores dos arcos ou momentos narrativos que adaptam. Não duvido disso. As recompensas que elas desbloqueiam, também são interessantes, muitas delas alimentam a progressão das personagens, podendo ser utilizadas no multiplayer. O problema é que, num par de horas, consegues concluir todas as pequenas missões. E um problema ainda maior é que, para poderes desfrutar deste modo a solo, “offline”, tens de estar na mesma conectado à Internet. Ou seja, se quiseres comprar o jogo para usufruir da componente “offline”, tens na mesma de ter acesso à Internet e subscrição no Plus. Também não me parece valer o investimento neste caso.

Evil Dead: The Game

Podes sempre optar por escolher o modo em que colaboras com inteligências artificiais, que são sem dúvida mais inteligentes que os seres-humanos que me fizeram “companhia” na maior parte das sessões. Mas, novamente, interessa investir num jogo multiplayer online colaborativo, internet e subscrição Plus para jogar com inteligências artificiais? Parece-me um investimento totalmente desproporcional.

Talvez a idade me comece a pesar na forma como olho para estas coisas, mas parece-me completamente injusto e injustificável apresentar ao público um jogo que obriga ligação à Internet para ser jogado offline (uma ideia que correu muito bem para o estúdio Polyphony Digital e Gran Turismo 7, não é?). Vamos considerar que a componente online do jogo é incrível, se um dia os servidores forem desligados, o que eventualmente acontecerá, o que podes fazer com o jogo? Pisa-papéis? Item de colecionador de Evil Dead?

É especialmente desenhado para os fãs da franquia.

Ainda assim, nem tudo está perdido. Como disse, o jogo tem um potencial tremendo, sendo especialmente desenhado para os fãs da franquia. Com as correções e atualizações necessárias – na componente online uma mecânica que obrigue à colaboração, na componente offline um modo de história mais robusto – este pode verdadeiramente transformar-se no The Game de Evil Dead, mas por enquanto não o é. Ou é, mas não como um todo e não está totalmente dependente de ti para o ser.

De momento, tal e qual como está, para quem é o jogo? Primeiramente para fãs de Evil Dead. Não vejo como alguém que não tenha conhecimento da franquia consiga apreciar e entender a resmas de easter eggs visuais e sonoros que estão nele impressos.

Diria que, em segundo lugar, o jogo é, tal e qual como está, perfeito para quem tiver então um grupo de amigos que seja fã do universo e se possa juntar para umas sessões. Saberá especialmente melhor, com tudo intensificado, se o jogarem numa noite de Halloween depois de ver o primeiro filme, ou até depois de uma maratona da trilogia original.

Se conseguirem reunir estas duas condições, é um jogo quase perfeito. Se não tiveres as duas, o jogo passará por medíocre, com experiências maioritariamente frustrantes, que só podem ser obtidas através de um investimento totalmente desproporcional face aos conteúdos disponibilizados.

Evil Dead: The Game tem quase todos os alicerces de que precisa para construir a derradeira experiência de um survival-horror de ação, com sabor ao clássico dos anos 80 no qual é inspirado. Carece, no entanto, de atualizações que criem uma experiência multiplayer mais gratificante e da introdução de conteúdos que eliminem a rápida repetição que se faz sentir (sobretudo em singleplayer). Dois elementos que indubitavelmente o deixarão bem mais “groovy”.

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