Eiyuden Chronicle: Rising – Análise

Existem capas de livros, aberturas de anime, sequências iniciais de filmes e séries, que em poucos segundos têm o poder de nos fazer sentir que estamos perante algo especial. Têm qualquer coisa que nos assegura e antecipa uma jornada incrível, provavelmente irrepetível.

Em videojogos é raro isso acontecer logo no designado “tittle screen”: aquele ecrã inicial que geralmente tem o título do jogo, uma imagem e as letras intermitentes “Press start or any button”. Eiyuden Chronicle: Rising conseguiu essa proeza. Assim que entrei nesse ecrã e começou a tocar o tema principal, senti logo uma certa impaciência para rapidamente começar a aventura que me aguardava para lá daquela porta.

Aqui está aquilo de que vos falo:

Com pedras pelo caminho, é certo, algumas a mais que o desejável, Eiyuden Chronicle: Rising entrega a aventura que promete. Antes disso, parece-me, no entanto, importante contextualizar Eiyuden Chronicle e o porquê de ser um lançamento especial. Eiyuden Chronicle: Rising é um JRPG de ação, desenvolvido pelo Natsume Atari (talvez mais conhecido pelo desenvolvimento de Harvest Moon), juntamente com uma equipa de veteranos da indústria dos videojogos liderada por Yoshitaka Murayama (criador do icónico Suikoden).

Rising é o primeiro jogo dentro da franquia Eiyuden Chronicle, servindo de prequela para Eiyuden Chronicle: Hundred Heroes, aquele que será o jogo principal com lançamento previsto para 2023. Por outras palavras, Rising é um prólogo de 15 a 20 horas de jogo, que tem o propósito de estabelecer todos os conceitos e informações necessárias, para que, quando Hundred Heroes chegar às mãos do jogador, o contexto já esteja assimilado (tutoriais, mecânicas, histórias das personagens, eventos importantes, localizações, lore, etc).

Assim, quando Hundred Heroes chegar, o jogador já tem tudo o que precisa (ou quase tudo) para o iniciar sem qualquer atrito. É importante também mencionar que o projeto Eiyuden Chronicle (que, para já, se divide então em Rising e Hundred Heroes) foi totalmente financiado por fãs através do Kickstarter, sendo atualmente um dos jogos com financiamento mais elevado da plataforma, apenas ultrapassado por títulos de duas franquias já estabelecidas: Shenmue III e Bloodstained: Ritual of the Night.

Aguentem porque vou impingir-vos a banda-sonora ao longo do artigo. É deliciosa:

Em Rising, tomamos o lugar da CJ, uma jovem caçadora de tesouros, faminta por aventuras, que, após ouvir alguns relatos sobre os muitos tesouros que New Neveah guarda, decidiu iniciar a sua jornada lá. O que encontra, no entanto, é uma cidade totalmente dizimada por um terremoto brutal, que acontecera meses antes da sua chegada. Foi precisamente esta aparente catástrofe natural que abriu passagem para imensos tesouros, presentes em diversas ruínas espalhadas pela cidade e que têm servido de isco tanto para jovens caçadores de tesouros, como para bandidos menos bem intencionados.

A insaciável vontade que CJ tem por novas aventuras é apenas ombreada pelo seu altruísmo desmedido, incapaz de negar qualquer pedido de ajuda. Os habitantes perderam tudo no terramoto: familiares, habitação, negócios… E é aqui que o jogador terá um papel importantíssimo na narrativa de Rising, com provável impacto na história de Hundred Heroes: a reconstrução de New Neveah.

Por entre aventuras, à procura de tesouros e resolução de mistérios (história principal), a CJ estará empenhada (talvez em exagero) na reconstrução de cada negócio (restauração, tabernas, hotelaria, estabelecimentos de agricultura, loja de penhores e artigos em segunda mão, blacksmithing, runeshop, etc); na reconstrução de importantes marcos da cidade, como por exemplo a torre de relógio do largo principal; e até em casas dos habitantes em geral. Para a reconstrução tens que te aventurar por diversas Dungeons, nas quais conseguirás reunir os materiais necessários (lenha, ferro, ou até coisas mais específicas dependendo da construção em questão).

O sistema de reconstrução da cidade não é aprofundado (não há liberdade de escolha no posicionamento dos edifícios, não há escolha na estética, etc), sendo que esta passa pelo pedido de ajuda, pela procura pelos materiais necessários, pela entrega à pessoa responsável e está feito, edifício pronto. Quando fazes isto, o edifício começa no nível 1. Por exemplo, quando fazes a reconstrução do edifício de Blacksmith, terás um número limitado de armas que podes comprar e um número limitado de upgrades que lhes podes fazer. Eventualmente, o dono vai-te pedir mais materiais para poder atualizar o estabelecimento. Entras novamente em dungeons, procuras os materiais pedidos, regressas, entregas e o edifício passa para nível 2, repetindo-se este processo para cada estabelecimento.

Não há problema nenhum com este sistema. As Dungeons são dinâmicas, ou seja, os monstros e boss vão evoluindo de nível, ao ponto de muitos deles até mudarem os padrões de ataque para que as lutas não sejam sempre iguais. Os cenários são lindíssimos e fazem-se sempre acompanhar da banda-sonora deliciosa que já mencionei. A viagem pelas Dungeons raramente se faz sentir aborrecida, sendo até por vezes relaxante. Estão estruturadas com imensas passagens que só podem ser acedidas quando atinges determinado nível ou quando consegues adquirir determinada habilidade, aumentando aos poucos a sua dimensão, fazendo com que sintas que não estás sempre a fazer as mesmas Dungeons (muito semelhante à estrutura de um Metroidvania).

Também é inegavelmente gratificante vermos os nossos esforços a reconstruir uma cidade, a dar-lhe vida, a erguer edifícios, sendo que antes da nossa chegada estava tudo reduzido a cinzas, com os habitantes desesperados e moribundos. É muito bonito ver o impacto das nossas ações a materializar-se na prosperidade da cidade e na vida de todos aqueles habitantes que, com tantas tarefas, se tornam familiares.

É precisamente aqui que residem os maiores defeitos do jogo (as pedras que mencionei em cima). A história principal, apesar de ser relativamente genérica, torna-se interessante, sobretudo por estar alicerçada em robustos sistemas de Dungeons e de combate que, aliados aos cenários e banda-sonora, nos fazem viver as aventuras em primeira pessoa. Contudo, esta aventura é constantemente interrompida pelos habitantes, que nos pedem mais e mais e mais tarefas sem fim para a reconstrução da cidade. Passamos assim mais tempo, ou pelo menos é essa a sensação que nos fica, a reconstruir a cidade e a ser “moça de recados” (agora vai buscar isto ali, agora vai dizer isto aquele, agora procura o gato de não sei de quem, etc), do que verdadeiramente a viver a aventura que nos propuseram no “title screen”.

É repetitivo e aborrecido. Sinto que este equilíbrio entre reconstrução da cidade e aventura poderia ter sido mais afinado e certamente levaria a um jogo muito mais interessante. Por outro lado, também entendo que resultaria, efectivamente, numa experiência mais curta, ainda que isso para mim não criasse problemas. Prefiro 5 horas bem equilibradas, do que passar 10 em reconstrução e tarefas, sobrando apenas 5 para a história principal. As quests não pedem muito mais que tarefas e recados, e ainda assim é inevitável não sentir um orgulho enorme ao ver toda a reconstrução. A New Neveah que deixei está longe de ser a New Neveah que encontrei e tudo se deve ao meu investimento de horas. Bem, provavelmente é essa a armadilha e caí nela sem me aperceber.

The spin-off of the hugely successful Kickstarter project is coming in Spring 2022.

Seja como for, e apesar disso, nem toda esta repetição e aborrecimento foram capazes de me impedir de querer continuar a aventura. Pelo contrário, quanto mais tempo passava nas tarefas, maior era a minha vontade de regressar à aventura (será que era este o objetivo dos criadores?). Esta resistência toda não foi capaz de reduzir a minha vontade de querer saber o que se ia passar a seguir e de continuar a descobrir Dungeons, através daquele conjunto de personagens com uma dinâmica muito divertida. Até porque, apesar de ser um defeito desnecessariamente prolongado, habita num jogo preenchido de qualidades e criatividade.

Com a excepção da protagonista, que pouco mais é que um arquétipo de protagonista de um shonen de ação com o starter pack de características que lhe são inerentes (enérgica, despreocupada, feliz, inconsciente, determinada, altruísta, etc) existem personagens interessantes e cheias de particularidades que, poderiam ter sido mais desenvolvidas, caso não passássemos tanto tempo, novamente, a andar de lado para lado. Como por exemplo a Isha, uma jovem com precisamente a mesma idade da CJ (15 anos), obrigada a assumir a presidência da cidade porque o anterior chefe, pai dela, desapareceu no terramoto. Com a pouca experiência e conhecimento que tem, vê-se na liderança de uma cidade moribunda e invadida por caçadores-de-tesouros e monstros. E é muito interessante ver todos os sistemas e políticas que ela vai implementando para conseguir aproveitar tudo o que é possível para reerguer uma cidade inteira, sem sequer ter tempo para fazer luto pelo pai.

Para quem tiver experiência em RPGs de ação, não creio que seja um jogo difícil e desafiante. Não ajuda, também, o facto de não podermos escolher outro nível de dificuldade logo à partida (só mais tarde). Ainda assim, os Boss’s estão todos muito interessantes e com padrões variados. O sistema de combate é simples, mas inesperadamente recompensador. Cada personagem é controlada por um botão e, conforme mudas de personagem, podes realizar combos. É só isto. No entanto, os controlos e animações estão tão precisos e bem feitos, que se torna algo de muito especial ver os nossos combos a serem realizados. Os bosses também são todos interessantes e com padrões cativantes, o que, aliando uma coisa à outra, transforma as batalhas em algo que queremos fazer mais e mais.

É importante sublinhar que a sequela Hundred Heroes terá um sistema de combate totalmente diferente. Será tático por turnos (o que me agrada ainda mais), com animações incríveis e ações cinemáticas que nos fazem sentir que estamos mesmo na batalha, olhem-me para isto (e ouçam também, isto é HYPE):

Este trailer para a sequela Hundred Heroes teve em mim o mesmo efeito que teve o title screen de Rising, que agora é intensificado por ter vivido uma boa experiência com o jogo. Mal posso esperar por embarcar nesta aventura, conhecer aquelas personagens e experienciar aquele sistema de combate cinemático.

Tenho de acalmar os ânimos, mas parece-me ser o JRPG que sempre sonhei em criança.

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