The Expanse: A Telltale Series – Análise

A Telltale decidiu que 2023 seria o ano perfeito para todos os que sentem saudade de viver um jogo à lá The Walking Dead (2012), e também para os que mal podem esperar por The Wolf Among Us 2 que tem lançamento previsto para 2024.

Eis que surge The Expanse: A Telltale Series, em colaboração com a Deck Nine (Life Is Strange), um título que promete colocar os jogadores à prova, bem ao estilo da Telltale, com decisões entre a vida e a morte.

The Expanse passa-se no espaço – algo que não surpreende quem já assistiu à série televisiva The Expanse. Mas isso fez-me questionar de que forma é que a Telltale iria arquitetar a jogabilidade. Normalmente, os jogos no espaço têm muitas mecânicas de sobrevivência, combate e exploração, e digamos que os jogos da Telltale são unicamente focados na narrativa, pouco exigentes no que concerne a habilidades, e a vertente RPG é completamente inexistente.

Assim sendo, e tendo em conta que no espaço não se passa (quase) nada, e o silêncio ensurdece, a única salvação de The Expanse: A Telltale Series seria um enredo de excelência.

Dose certa

Prolongar o silêncio do espaço seria uma jogada arriscada por parte da Telltale, pois as personagens teriam de ser altamente exploradas, bem como os laços entre elas, e o risco de cair em mais do mesmo estaria iminente. Por isso, não esperem um tempo e ritmo de jogo semelhante a The Walking Dead, ou até mesmo uma experiência standalone como Poker Night 2 que pode chegar, facilmente, às 10 horas de jogo.

Nas primeiras impressões, demonstrei alguma relutância com o facto de o jogo ser de curta duração, mas The Expanse: A Telltale Series chega na dose certa, e diria até que representa uma versão atualizada da fórmula da Telltale. O sistema de escolhas está agora mais aprimorado e faz-nos sentir o verdadeiro peso da responsabilidade aquando de tomadas de decisões. Em termos de comparação, apesar de The Walking Dead se manter superior na intensidade da história e jogabilidade, o que é certo é que The Expanse tem um sistema de escolhas mais fiel ao jogador. Para ser mais concreta, não há nada que possamos fazer para salvar uma personagem acarinhada em The Walking Dead, depois de esta ser mordida por um morto-vivo. Ainda que haja várias opções para a tentarmos salvar, a Telltale já tem o destino daquela personagem escrito nas estrelas.

Em The Expanse: A Telltale Series já não é bem assim. A personagem que nos é querida e que queremos salvar, pode mesmo ser salva. Tudo depende da nossa astúcia, perspicácia e foco. Posso dizer-vos que falhei redondamente nessa missão e a viagem mental que fiz para descobrir o que podia ter feito diferente foi inacreditável. No final do capítulo, fui verificar as escolhas que tinha feito, e constatei outros caminhos possíveis que podia ter seguido para que o seu desfecho não fosse a morte. Mas mesmo que eu volte a jogar o jogo e escolha opções diferentes, há sempre a possibilidade de a morte ser certa, já que o desfecho é o resultado de uma combinação de ações que espelha a arquitetura admirável que a Telltale desenvolveu para esta nova propriedade intelectual.

Mas isto leva-me a um tema que é a base do sucesso dos jogos da Telltale: a forma imediata como a produtora nos faz entrar no círculo das personagens. Um sistema de escolhas só é falível se nós não tivermos qualquer tipo de vínculo com as personagens e, por isso, não sentirmos qualquer tipo de emoção quando elas estão tristes ou contentes.

A Telltale Games é a campeã nesta corrida. É absolutamente incrível como é que um jogo tão pequeno como The Expanse: A Telltale Series consegue fazer-nos nutrir, inatamente, uma ligação a cada personagem. Das duas uma: ou passamos muito tempo com as personagens até nos habituarmos a elas; ou vivemos de forma intensa, em pouco tempo, a experiência de partilhar o espaço com elas, bem como as missões que nos unem. The Expanse opta por esta última. Admiração, revolta, amor ou ódio definem bem o que sentimos nos primeiros minutos de gameplay.

Contrariamente a outros títulos da Telltale, como Game of Thrones, The Expanse: A Telltale Series permite-nos acreditar que é possível um final feliz, em que todas as personagens são relevantes, e onde é possível escapar da morte.

Simples e eficaz

Ainda que os jogos da Telltale tenham um grande foco na narrativa, há sempre aspetos de jogabilidade que considero obrigatórios para manter o interesse do jogador naquela que é uma experiência desafiante. O desafio está na génese dos videojogos e, por isso, não pode ser ignorado.

Nesse sentido, a Telltale manteve a linha usual de comandos de ação rápida aquando de cinemáticas. Estes aumentam o nível de dificuldade encurtando o tempo de resposta, e há uma cena, em particular, onde estamos a ser atacados dentro da nossa nave, que é o perfeito caos. O tempo que separa uma ação da outra é tão curto, e despadronizado, que exige uma concentração muito grande da nossa parte.

Por outro lado, a resolução de puzzles simples contribuem para um progresso descomplicado e, ao mesmo tempo, entusiasmante. Ainda que seja pouco exigente fazer ligações elétricas (por exemplo), não deixa de ser satisfatório a recuperação da energia que faz com que determinada porta abra, principalmente porque sabemos que ficamos mais perto de avançar na história – que é aquilo que realmente importa.

Atenção ao detalhe

The Expanse: A Telltale Series tem, sem sombra de dúvidas, os visuais mais bem conseguidos de todas as séries da produtora. E é importante esclarecer que não se trata de estilos de arte diferentes, mas sim da sua execução. A prova disso é o estilo cartoonesco de The Walking Dead que foi melhorando, visivelmente, ao longo do tempo.

Ainda que seja expectável que os visuais de The Expanse sejam superiores, pois a tecnologia permite fazer mais e melhor, a Telltale não se preocupou apenas em cumprir os requisitos mínimos. Existe um detalhe muito grande que faz sentir o esforço da produtora em entregar um título distinto, ainda para mais num ano onde jogos no espaço aterraram as bibliotecas dos jogadores, e todos os pormenores contam para fazer a diferença.

Exemplo disso são as expressões faciais de Camina Drummer. Há momentos cruciais no jogo que exigem uma interpretação de voz sublime por parte da atriz Cara Gee, principalmente quando a personagem descobre algo que a deixou visivelmente afetada. Ainda que o resultado não seja isento de pequenos hemiespasmos faciais, há alturas em que a personagem está chateada e franze as sobrancelhas, recolhe os lábios de raiva, e contrai os maxilares numa tentativa de aliviar a frustração.

Além destes pequenos detalhes que fazem a diferença, também o ambiente à volta está meticulosamente desenhado. É fácil encontrar satisfação na pouca exploração que fazemos, ainda que não haja loot para encontrar. Em RPGs como Starfield, por exemplo, um dos motivos que nos faz sentir recompensados pela exploração é o conjunto de itens que nos espera. Em The Expanse: A Telltale Series tudo se resume ao avanço na história principal. Até mesmo as missões secundárias afetam diretamente o enredo, já que pode estar em causa encontrar um remédio para uma determinada personagem que, por ser ajudada, pode optar por nos defender, mais tarde, num momento de aperto.

Share